Sul Global enfrenta as consequências das emissões dos países desenvolvidos
COLOCAR BÁRBARA VETOS
Não é natural acordar com a temperatura chegando a 30 ºC em pleno inverno, como costuma acontecer em muitas cidades brasileiras. Assim como não é comum num intervalo de dois dias ter uma variação de temperatura tão grande de 5 ºC e 31 ºC, como ocorreu na semana passada na cidade de São Paulo. Isso não significa que o Brasil estará inabitável daqui a 50 anos, segundo informações recentemente divulgadas, mas que a intensificação das mudanças climáticas tem um preço que os países subdesenvolvidos já estão pagando.
Um estudo citado por NASA
a agência espacial dos Estados Unidos, repercutiu na imprensa brasileira nos últimos dias ao prever que áreas do Brasil poderiam se tornar inabitáveis até 2070 devido a ondas de calor extremas. A pesquisa traz um conceito de lâmpada de calor, relacionado à tolerância humana a altas temperaturas, e foi publicada originalmente em 2020 na revista Avanços da Ciência
. Não há menção ao Brasil nele.
“De acordo com a análise temporal das variações de temperatura, poderemos ter no futuro algumas regiões onde o equilíbrio entre temperatura e umidade seria inadequado para as condições de vida humana”, explica Gustavo Loiola, especialista em sustentabilidade e ESG.
Dois anos depois, a NASA compartilhou o estudo em um artigo e citou as regiões do planeta mais suscetíveis ao aumento da temperatura. É aqui que aparece o Brasil, assim como outras regiões do planeta. Algumas das preocupações estão relacionadas com as cidades costeiras, com a subida do nível do mar, ou mesmo com a regulação térmica e os ciclos de chuvas, devido à produção agrícola em regiões do país.
Relação entre exploração e refugiados climáticos
Embora os humanos sejam capazes de se readaptar a diferentes cenários, já existem refugiados climáticos em todo o mundo. Um relatório da Organização Internacional para as Migrações (OIM) revelou que os deslocamentos causados por eventos climáticos extremos e outros desastres naturais superaram aqueles causados por guerras, repressão e violência em 2023. O Brasil é um dos seis países com maior número de pessoas deslocadas por desastres naturais.
Loiola ressalta que isso traz uma série de problemas. “É um contexto de fragilidade social. Muitas vezes, estas pessoas mudam-se para países que não estão preparados para acomodar um aumento repentino da população.”
O fenómeno, que ocorre principalmente entre os países subdesenvolvidos do Sul Global, não é proporcional ao papel que estas regiões desempenham na emissão de gases com efeito de estufa. “Desde o advento da industrialização, os países desenvolvidos têm sido os maiores responsáveis pelas emissões de gases”, explica o especialista.
Os gases de efeito estufa liberados na atmosfera vêm aumentando a temperatura do planeta desde a Revolução Industrial, principalmente por meio da queima de combustíveis fósseis. Estas emissões impulsionam a atual crise climática, marcada por eventos extremos, como calor excessivo, secas prolongadas e chuvas intensas.
Neste sentido, são as regiões mais vulneráveis que pagam o preço. Isto acontece porque os países subdesenvolvidos carecem de infraestruturas mais robustas e de resiliência para lidar com os eventos climáticos. “É como pensar que estamos todos numa tempestade no meio do oceano, mas alguns estão dentro de grandes navios e outros remando em pequenos barcos para tentar sobreviver.”
Ondas de calor e eventos extremos
O ano de 2023 foi considerado o mais quente já registrado em todo o mundo. Com a intensificação das alterações climáticas, os eventos extremos também se tornaram cada vez mais frequentes.
De acordo com um estudo do Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal) e publicado em Medicina da Natureza,
Mais de 47 mil pessoas morreram na Europa no ano passado em consequência do calor excessivo. Número semelhante foi registrado no Brasil entre 2000 e 2018 em pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A pesquisa original mostrou que, em 40 anos, triplicou o número de casos de calor extremo que pode levar à morte devido à alta umidade. Regiões como o Paquistão, o Médio Oriente e a costa sudoeste da América do Norte estão entre as que mais registaram estes momentos de calor extremo.
Algumas das informações do estudo da NASA podem ter sido distorcidas
A discussão é antiga, mas a mistura de diferentes estudos relacionados ao clima fez com que a afirmação sobre o futuro do Brasil agora viesse à tona, causando repercussão nas redes sociais. “O facto de termos regiões que poderão tornar-se inabitáveis desconsidera os efeitos da adaptação e mitigação climática que a humanidade tem lutado para implementar e resolver”, comenta.
Loiola chama a atenção para o fato de que esse cenário poderá realmente acontecer caso a humanidade não consiga construir uma transição mais sustentável. Ele defende que governos, empresas, organizações e o restante da sociedade atuem juntos nesse processo. “É possível chegar a uma solução justa e inclusiva, seja através da revisão dos modelos de produção e consumo, seja através das práticas empresariais e do âmbito regulatório.”
A postagem Sul Global enfrenta as consequências das emissões dos países desenvolvidos
apareceu primeiro em Informações ESG
.