Pablo PORCIÚNCULA
Marcos Meloni não esquecerá tão cedo o dia do final de agosto em que combateu as chamas que ameaçavam consumir sua plantação de cana-de-açúcar.
“Quando estávamos combatendo o incêndio, o plástico do retrovisor do caminhão-pipa realmente encolheu” por causa do calor intenso, disse à AFP este agricultor de Barrinha, a 340 quilômetros de São Paulo, no coração de uma importante região produtora.
“Achei que iria partir daí”, ele admite.
Os incêndios invulgares de grande magnitude, que duram há várias semanas desde a Amazónia até ao sul do país, em grande parte de origem criminosa, segundo as autoridades, são favorecidos por uma seca histórica que os especialistas atribuem em parte às alterações climáticas.
O resultado é que as colheitas de cana-de-açúcar, café arábica, laranja e soja – produtos dos quais o Brasil é o maior produtor e exportador mundial – correm o risco de serem afetadas. Além disso, a precipitação esperada para Outubro pode ser inferior à média em algumas regiões.
Em todo o estado de São Paulo, pelo menos 231.830 hectares de plantações de cana-de-açúcar — dos quatro milhões utilizados na principal região produtora de açúcar do país — foram afetados em graus variados pelos incêndios, com metade da colheita ainda por colher. nos próximos meses, segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).
“Onde a cana ficou parada, esperamos uma redução de metade da produtividade”, indica José Guilherme Nogueira, presidente da Organização das Associações dos Produtores de Cana do Brasil (Orplana).
Meloni já havia colhido, mas sofreu danos significativos. “Queimou onde havia brotos, que não estavam saindo, por falta de água. Agora estamos aguardando para ver em que área será necessário plantar novamente”.
– “Abra os olhos” –
Em Minas Gerais, estado responsável por 70% da produção de café arábica no Brasil, os cafeicultores também aguardam a chegada das chuvas, necessárias para a floração dos cafeeiros e a formação dos grãos de café que serão colhidos no próximo ano.
“Falta água no solo, dos últimos 40 anos, é o pior déficit hídrico”, lamenta José Marcos Magalhães, presidente da Minasul, segunda maior cooperativa do país. Até ao final do mês, “tem que haver chuva de boa intensidade” para que haja esperança de uma colheita normal em 2025.
No entanto, as recentes condições climáticas adversas já prejudicaram a colheita 2024-2025, que está prestes a terminar.
Embora a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) tenha previsto em maio um aumento de 8,2% na produção de arábica, “é provável que os dados sejam reduzidos para baixo”, estima Renato Ribeiro, do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) do a Universidade de São Paulo.
Concentrada nos estados de São Paulo e Minas Gerais, a produção de laranja, destinada em grande parte à indústria de sucos, também deverá sofrer com a seca.
Depois de anunciar em maio passado que a colheita 2024-2025 seria a mais baixa em três décadas, a associação dos produtores de citrinos brasileiros, Fundecitrus, reduziu ainda mais as suas previsões há poucos dias e estima agora uma queda de 29,8% na produção, já prejudicada por uma praga bacteriana.
Pilar da força política e da projeção internacional do agronegócio brasileiro, a soja também não está imune.
Neste ano, a colheita deverá cair 4,7%, segundo a Conab, devido à seca e às chuvas torrenciais que atingiram o Rio Grande do Sul em abril e maio. Agora, a seca atrasa novos plantios nas regiões produtoras.
“Se o clima melhorar, os sojicultores conseguirão recuperar o atraso”, afirma Luiz Fernando Gutierrez, analista da consultoria Safras & Mercado. Mas “se a seca perdurar e durar até outubro, então haverá problemas de colheita” em 2025, alerta.
Um dos setores econômicos mais impactados pelas mudanças climáticas, a agroindústria tem grande responsabilidade pelo seu próprio infortúnio, aponta o climatologista Carlos Nobre.
“Historicamente é o setor que mais emite gases de efeito estufa no Brasil. Tem que reduzir e eliminar o desmatamento. Tem que abrir os olhos”, afirma.