É possível dividir o sentimento dos investidores brasileiros durante o primeiro semestre em dois períodos bem definidos. Entre Janeiro e Março a situação foi boa e houve diferença entre os diferentes níveis de confiança. Porém, a partir de abril, isso mudou. “Ficou claro que as taxas internacionais, especialmente nos Estados Unidos, demorariam um pouco mais para cair”, diz Luciano Telo, Diretor de Investimentos (CIO) para o Brasil do UBS Global Wealth Management. “Isso levou a uma queda nos preços de muitas commodities, inclusive no Brasil.”
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Como esperado, esta mudança no sentimento dos investidores levou a uma movimentação significativa de recursos. Segundo estimativas de mercado, houve resgate de pelo menos R$ 41 bilhões destinados a fundos especiais.
Esses produtos tinham a vantagem do diferimento de impostos. Ou seja, em vez de serem tributados duas vezes por ano, em maio e novembro (como é o caso dos fundos abertos), os acionistas só pagam imposto quando são resgatados, o que melhora o timing dos lucros a longo prazo.
Sem esta oportunidade, muitos investidores pagaram impostos e ficaram “livres” para alterar as suas estratégias de investimento. Telo diz: “Temos observado uma revisão das carteiras de clientes de alto patrimônio nos últimos meses. “Houve uma migração de ativos de risco no Brasil para ativos estáveis de renda fixa”.
A esperança de que a taxa referencial Selic permaneça elevada tem alimentado a demanda por instrumentos de dívida indexados às taxas de juros do mercado, que tendem a acompanhar o diferencial Selic. “Este é outro ponto importante; A taxa de juro esperada é menor do que o esperado e não se pode descartar a possibilidade de não haver mais défices este ano”, disse Telo.
Propriedade internacional
A mudança de política teve dois propósitos. Um deles foi o mercado americano, que possui ativos em dólar. “Há um bom fluxo de recursos para os EUA”, afirma o gerente do UBS. “As taxas de juros reais dos EUA estão muito altas e espera-se que subam ainda mais porque a inflação continua a diminuir.”
Segundo Telo, o rendimento de dois anos dos títulos do Tesouro dos EUA é de cerca de 1,3% ao ano, o que é um bom resultado considerando a alta liquidez e o baixíssimo risco desses títulos. E as expectativas são de que os juros reais cresçam, uma vez que a fraca política monetária da Reserva Federal (FED), o banco central da América, faz com que a inflação da América caia. Atualmente, os índices de preços oscilam entre 3,5% e 4% ao ano, mas devem convergir gradativamente para atingir a meta de 2%.
A economia americana
Segundo o gestor do UBS, as eleições americanas marcadas para novembro podem trazer uma mudança na economia. Dependendo de quem vencer, poderá haver mudanças nas políticas comerciais e de imigração. “Por exemplo, a política tarifária da China tem mais ou menos limites”, diz Telo. Se for eleito, Donald Trump, o candidato republicano, disse que adotaria restrições mais rigorosas.
O reforço da política de imigração reduzirá o afluxo de trabalhadores não qualificados e restringirá a oferta de trabalhadores não qualificados, exercendo pressão sobre os salários nos escalões de rendimentos mais baixos, que já estão a subir ligeiramente acima da inflação. Até agora, os sinais de um abrandamento da economia dos EUA têm sido lentos. “O mercado de trabalho ainda está acima do pleno emprego, mas há sinais de acomodação e a pressão ascendente sobre os salários está diminuindo”, afirma Telo.
Como resultado, as taxas de juro nos EUA permanecerão elevadas durante muito tempo. “Não parece que haverá um ciclo profundo de contracção em 2024 porque o emprego ainda está forte, mas é possível que haja um ou dois cortes nos lucros, uma vez que as duas medidas das últimas taxas de inflação estiveram em linha ou abaixo do esperado”, afirmou o gestor.
Ações e tecnologia
Sem juros, o mercado americano continua com bom desempenho, com valorização de cerca de 10% ao ano entre 2021 e 2023, principalmente em ações de tecnologia. “Na década de 1990 havia no mercado a certeza de que a internet mudaria os negócios”, diz Telo. Os investidores ficaram muito entusiasmados, os preços subiram e houve uma forte correção no início dos anos 2000 “Mas mesmo com a correção dos preços, em 2024 não há atividade que não esteja ligada à Internet”, disse Telo.
Segundo o gestor, pode acontecer um movimento semelhante às ações das empresas relacionadas à Inteligência Artificial (IA). Ele diz: “Os múltiplos são altos, mas o mercado vê oportunidades para que ocorram maiores valorizações, independentemente dos preços. “Nossa recomendação é que os investidores permaneçam investidos nesses ativos e não tentem aguardar o momento em que esse processo pode ser interrompido. .”
Os resultados destas empresas e o desempenho das suas ações têm superado sistematicamente as expectativas. Ele diz: “Isso não deve mudar, embora um crescimento tão forte não deva acontecer para sempre.
Riscos geopolíticos
O que há de novo nesta situação são novos riscos políticos, que podem ter consequências económicas inesperadas. Pode haver pressão sobre os preços por parte do ambiente, que tende a comprar políticas monetárias. O principal impacto é a reorganização das cadeias produtivas e de insumos.
Esta abordagem para reduzir a globalização tem sido chamada de “abordagem” e “amizade”. Ou seja, em vez de escolher o país com menor custo, as empresas escolherão países próximos ou compatíveis. Telo afirma: “Isso representará mais gasto de dinheiro público por um determinado período de tempo, sem pressionar os custos e ser ruim para as ações das empresas”, afirma Telo.
Há outro ponto. As instituições estão mais fragmentadas e isto coloca maior pressão sobre os orçamentos públicos, uma vez que há mais exigências sobre o que os governos podem fornecer. “A demanda por lavagem de dinheiro na sociedade aumentou desde a pandemia”, afirma.
Locais como a Europa terão de aumentar os seus orçamentos de defesa, devido à perspectiva de uma mudança na relação com os Estados Unidos. “O governo americano parece não estar disposto a apoiar a utilização de fundos europeus.” E o ambiente político é mais volátil, causando mais volatilidade nos activos.