Quinta-feira, 1º de agosto de 1974. Há exatos 50 anos, o Vasco da Gama conquistava seu primeiro título brasileiro. Num Maracanã lotado, com mais de 110 mil pessoas, o Gigante da Colina venceu o Cruzeiro por 2 a 1. O adversário tinha craques como Piazza, Palhinha, Nelinho, Perfumo e Dirceu Lopes. No quadrangular final do torneio, que ainda contou com Santos e Falcão, de Pelé, e Internacional, de Figueroa, o Vasco foi visto como o ‘azarão’.
Subestimado, o time comandado por Mário Travaglini terminou com a mesma pontuação da Raposa: quatro pontos para cada lado. Após a vitória sobre o Santos, em casa, o Cruzmaltino empatou com os mineiros e os gaúchos. Contra o Colorado, poderia ter erguido o troféu, mas deixou o rival empatar no final, mesmo com dois gols de vantagem. Com isso, foi marcado um jogo extra para definir o campeão. A partida será disputada em Belo Horizonte, devido à melhor campanha geral do Cruzeiro.
O comando foi revertido, porém, devido a um deslize do então vice-presidente do clube. No dia 24 de julho daquele ano, os times se enfrentaram no Mineirão, com o placar terminando em 1 a 1. Furioso, o técnico Carmine Furletti invadiu o campo para agredir o árbitro Sebastião Rufino, cobrando pênalti não marcado em Palhinha na última jogada. A atitude foi apontada como uma violação da regulamentação. Consequentemente, o jogo de desempate foi transferido para o Maracanã.
Apesar do favoritismo do Cruzeiro, o time mandante tinha um grupo unido que, além de jogar em casa, também contava com bons valores no elenco. Entrando em campo: Andrada; Fidélis, Miguel, Moisés e Alfinete; Alcir Portella, Zanata e Ademir; Jorginho Carvoeiro, Roberto Dinamite e Luiz Carlos ‘Tatu’. Os comandados de Travaglini fizeram um jogo defensivo confiante e conseguiram abrir o marcador logo aos 14 minutos, por intermédio de Ademir.
O autor do gol substituiu o meia Fernando Peres, lesionado no primeiro confronto no Mineirão. Pai Santana, massagista do Vasco, ex-boxeador e pai de santo, havia enterrado dois ovos no gramado para dar sorte. Por acidente, Peres escorregou sobre eles e se machucou. No lugar do português, entrou Ademir, que fez valer o trabalho de Santana ao balançar as redes na decisão.
Na segunda etapa, a Raposa igualou o placar aos 19, com chute de Nelinho. Com o título ameaçado, o Cruzmaltino avançou e conseguiu fazer o segundo. Aos 31 minutos, Jorginho Carvoeiro recebeu chute de Alcir e acertou na rede do goleiro Vítor. 2 a 1, para alegria da torcida do Maracanã. Os visitantes também tiveram um gol polêmico anulado, aos 43. Depois de muita reclamação, o árbitro Armando Marques invalidou o chute por impedimento. Dois minutos depois, ele levantou o braço e encerrou a partida. Foi o primeiro troféu nacional conquistado pelo Gigante da Colina.
Ao relembrar o elenco histórico, Luiz Carlos, 76 anos, hoje advogado aposentado, destaca a harmonia entre os companheiros:
— Essa união que existia era muito forte. No nosso campo nem pensamos em perder. Eu tinha que vencer de qualquer maneira. Foi uma equipa muito coesa, unida, que conseguiu feitos que nem acreditávamos. No final de alguns jogos, nos entreolhamos e dissemos: ‘Nossa, ganhamos mesmo.’ Tanto os reservas quanto os titulares pensaram da mesma forma, sempre focados na conquista do título. — diz o ex-ala.
O apelido foi cunhado pelo histórico locutor esportivo Waldir Amaral, que certa vez disse: “Luiz Carlos parece um tatu, cavando cada buraco do campo”. Revelado na Gávea, foi comprado por um centavo pelo rival do Colina durante o carnaval de 1969. Torcedor declarado do Vasco, passou grande parte da carreira em São Januário, onde ergueu as taças Carioca (1970) e Brasileiro (1974). ).
Ao chegar, ele se machucou na estreia e ficou afastado por seis meses. Lesão no quinto metatarso. Para voltar a jogar, ele precisou retirar parte do osso do fêmur e fazer um enxerto de pé feito pelo Dr. Arnaldo Santiago. Passou por dificuldades, mas conseguiu se readaptar. Aos 72, deixou o clube por empréstimo. Retornou no ano seguinte a tempo de integrar o elenco que se tornaria campeão nacional.
— Quando o Tostão veio para o Vasco, queriam me incluir na troca com o Cruzeiro. Eu disse que não queria ser vendido lá e morar em Belo Horizonte, então fiz um empréstimo de oito meses. Quando o Vasco foi jogar lá (em BH), o Travaglini me disse que precisava de um lateral esquerdo para formar o time em 73. Eu disse a ele que ele também era um tremendo goleiro, que eu poderia jogar em qualquer posição, se ele quisesse. – lembrar.
Afastado do futebol desde que pendurou as chuteiras, em 1981, ‘Tatu’ estudou Direito, abriu escritório e trabalhou como advogado na SUDERJ por quase vinte anos. Na campanha do título de 74, foi extremamente importante e contribuiu com quatro gols, incluindo um contra o Santos, na primeira partida do quadrangular final. Ele diz que não via seus companheiros de equipe há anos. Mas depois de um telefonema recente, ele decidiu comparecer ao encontro dos campeões.
— Dessa última vez, o Gaúcho me ligou para me convidar para a confraternização e eu fui. Quando peguei o retrato para olhar a equipe, percebi que seis haviam falecido. Senti que precisava comparecer enquanto ainda tinha tempo. Foi um encontro muito bom, foi ótimo rever os amigos. Até joguei com o Galdino; Ele estava sentado e eu falei para ele se levantar, porque ele sempre foi meu substituto naquele time. “Essa é a minha cadeira”, brinquei com ele. O Galdino jogava muito, era um grande ponta-esquerdo, então sempre procurei mostrar serviço. Aconteceu algo assim comigo, quando Garrincha foi ao Flamengo e me disse: ‘Arrume outra posição, o direito é meu!’. Depois disso, comecei a jogar pelo lado esquerdo. – completa.
Outro personagem da conquista, Carlos Roberto Orrigo da Cunha, conhecido como Gaúcho, ex-jogador e técnico, foi um dos mais jovens daquele elenco. Décimo segundo jogador do time, sempre entrava nas partidas, principalmente para formar o meio-campo ou para substituir o capitão Alcir Portella. Natural de Porto Alegre, deu os primeiros passos no clube do bairro, o Madureira, antes de ingressar nas categorias de base do Grêmio.
— Joguei lá até os dezesseis anos, quando Tesourinha, um dos grandes da história do Vasco e o melhor jogador brasileiro de 1948, me pediu para sair do Rio Grande do Sul. Ele jogou com meu pai no Internacional (Louzada, ex-meio-campista) e, quando me viu em campo, disse que me tiraria de lá.
Primeiro, Tesourinha levou o jovem talento para um estágio no Inter, onde jogou ao lado de Falcão nas categorias de base. A partir daí, ofereceu duas oportunidades: ir para o Santos ou para o Vasco. Com o sonho de jogar no Maracanã, o Gaúcho escolheu o Cruzmaltino. Chegou em 1970 e fez parte de uma geração vencedora na academia, ao lado de Pastoril, Mazarópi, Fumanchú e Roberto Dinamite, um de seus grandes amigos no futebol.
— Subimos juntos para os profissionais. Tínhamos uma amizade muito forte, um jeito sério de jogar também. Foi coisa de irmão. Temos o mesmo nome, Carlos Roberto. Por conta disso, passamos a dividir um quarto em concentração. Passamos dez anos tocando e viajando juntos. Quando eu tinha um final de semana livre, descia com ele até a Avenida Brasil pegar um ônibus para Duque de Caxias. Depois pegávamos outro ônibus para chegar na casa dele em São Bento e ficávamos lá, jogando bola no campo do bairro. — lembra o antigo volante.
Artilheira do Campeonato Brasileiro de 74 com 16 gols, Dinamite, de apenas 20 anos, foi um dos grandes nomes da vitória. O atacante se tornaria o maior ídolo e artilheiro do clube (e da história do Brasileirão, com 190 bolas na rede). Ao lado do Gaúcho, foi um dos ‘protegidos’ pelos atletas mais experientes.
— Luiz Carlos, Renê, Moisés, Alcir, Alfinete, Zanata foram os mais experientes. Roberto e eu éramos as crianças. Tivemos ajuda, proteção muito importante desses caras. Fui tomar uma cerveja com 26, 27 anos, porque não deixavam a gente beber em encontros. Disseram que tínhamos que correr e dar a vida em campo por eles (risos). Foi uma parceria junto com uma formação de responsabilidade. Foi um dos maiores grupos em que joguei. Era um time muito trabalhador, a definição do que é o Vasco. Ninguém tinha limite de entrega. – destaques.
Agora longe do futebol, o Gaúcho já treinou times como Vasco, Atlético Mineiro, Americano, Madureira, América (RJ), além de atuar na Argélia e na Arábia Saudita. Atualmente, acompanha a carreira dos filhos Thiago Cunha e Diego Brandão. O primeiro, auxiliar de Rogério Micale na seleção sub-23 do Egito, e o mais jovem, técnico do São Cristóvão (RJ). Com diversas passagens pelo seu time de coração, sempre foi referência para alguns ex-jogadores que se distanciaram da profissão.
— Segui a carreira de treinador, fiquei um tempo afastado, mas sempre voltava para o Rio. Sempre fui funcionário ligado ao Vasco. Trabalhei na base, saí do país, voltei. Mas eu era um cara centralizado, mais fácil de encontrar. Foi uma referência para aproximar o elenco. Então mantive contato com todos eles e nos reunimos recentemente. Vamos tentar nos encontrar todos os anos para relembrar esta data. Alguns mudaram de cidade e de profissão. Às vezes você perde o contato. Também foi muito triste quando morreram algumas pessoas, pessoas saudáveis, que estavam ali ao seu lado.
Entre eles está um dos heróis do título, o lateral-direito Jorginho Carvoeiro. Em 1975, menos de um ano após o gol fatídico na final, ele descobriu um câncer em estágio avançado. A equipe estava na Colômbia, concentrada para enfrentar o Atlético Nacional pela Copa Libertadores, quando surgiram sintomas mais graves. O jogador, porém, recusou-se a fazer a cirurgia e conviveu com a doença por mais alguns meses, afastado dos gramados. Em 1977, com apenas 23 anos, Jorginho faleceu no Rio de Janeiro.
Outros nomes importantes, como Andrada, Alcir, Moisés, Fidélis e Roberto também se foram, mas permanecem eternos na memória dos torcedores. O elenco faz parte da galeria de times icônicos da história do clube, e alguns deles estão entre os maiores ídolos vascaínos de todos os tempos. 1974 foi o início de uma geração vitoriosa, que ainda contaria com muitas estrelas e levantaria mais troféus.
Ao relembrar o campeonato, o Gaúcho considera o título de 74 como uma conquista única em sua carreira. Jogou no Gigante da Colina por mais de uma década, marcando seu nome na história do clube. Apesar de ser campeão em outros aspectos, como atleta e treinador, a conquista que hoje completa 50 anos continua sendo a mais especial para ele.
— Aí eu entendi o que era o Vasco. Quando cheguei, o Tesourinha disse que se eu pudesse vestir aquela camisa nunca esqueceria o clube. Quando conquistamos o título, entendi a dimensão disso. A torcida toda correu do Maracanã até São Januário para comemorar. Foi algo louco, inexplicável. Milhares de pessoas comemorando por dois, três dias seguidos. Foi uma coisa muito linda. — diz o ex-volante.