O Brasil é coroado país da Ginástica Artística nos Jogos Olímpicos Paris 2024, mas sua trajetória de suor e sucesso remonta à década de 1980. Saiba mais sobre o caminho que percorremos até agora.
A Seleção Brasileira de Ginástica Artística fez história nos Jogos Olímpicos Paris 2024. Na primeira final, os atletas garantiram uma medalha inédita na competição por equipes. Nas competições individuais brilharam Rebeca Andrade, Flávia Saraiva e Julia Soares, destacando ainda mais a ginástica brasileira no cenário internacional. Mas o que veio antes desta geração de ginastas?
O Portal Esporte News Mundo convidou Altair Maria Rodrigues Prado, membro da Comissão Técnica Feminina da Confederação Brasileira de Ginástica e árbitra internacional, para nos contar um pouco sobre esses 40 anos de evolução. Altair foi atleta da Seleção Brasileira por 10 anos, na década de 1980. Após se lesionar, passou a trabalhar nos bastidores, destacando sua participação no Clube de Regatas do Flamengo e como técnica da atleta Flávia Saraiva diante da Seleção Brasileira.
Ginástica artística brasileira é uma tradição
A prática da ginástica no Brasil tem raízes que remontam à primeira metade do século XIX. Foi com a imigração alemã que o esporte começou a se desenvolver, principalmente na região Sul do país. Em 1858, a cidade de Joinville (SC) assistiu à fundação da primeira sociedade de ginástica do país.
A primeira representação brasileira em competições internacionais de ginástica ocorreu em 1951, nos Jogos Pan-Americanos de Buenos Aires. Três anos depois, o Brasil participou de seu primeiro campeonato mundial, em Roma.
Mas a ginástica brasileira começou a ganhar destaque no cenário mundial em 1978, quando o país enviou pela primeira vez uma seleção feminina para o Mundial de Estrasburgo. Lilian Carrascoza foi a atleta de maior destaque, impressionando pelo seu desempenho.
No Pan de 1979, disputado em San Juan, Porto Rico, Lilian Carrascoza e a seleção brasileira feminina tinham grandes esperanças de medalhas. Porém, apesar das expectativas, a seleção não conseguiu subir ao pódio, perdendo o bronze para o México. Mesmo assim, a seleção masculina conseguiu conquistar a medalha de bronze.
Depois do Pan, o coronel Hugo Roquete, militar reformado e professor do Colégio Impacto, no Rio de Janeiro, propôs o projeto da Medalha de Ouro à treinadora Berenice Arruda. Porém, foi somente em 1980, nas Olimpíadas de Moscou, que a delegação brasileira de ginástica artística marcou presença nos Jogos Olímpicos, com João Luiz Ribeiro e Cláudia Costa competindo em todos os aparelhos. Naquela ocasião, apesar de não terem alcançado resultados significativos, abriram caminho para as gerações futuras.
A medalha feminina veio três anos depois, nos Jogos Pan-Americanos de Caracas, onde a seleção conquistou o bronze. Segundo o ex-ginasta e medalhista Altair Prado, esse pódio foi fundamental para o reconhecimento da modalidade no Brasil.
“No Brasil, na década de 80, começamos a ter intercâmbio com treinadores do exterior, porque nos inspiramos no que se fazia lá fora, mas não tínhamos conhecimento técnico. E isso foi muito importante para os nossos treinadores na época.”
disse Altaïr.
O equipamento foi outro ponto crítico. Os equipamentos eram mais duros e muitas vezes improvisados, o que aumentava a chance de lesões dos atletas. “Na década de 90, os clubes passaram a ter uma estrutura maior”, explica.
A Idade de Ouro: os anos 2000 e o surgimento dos ícones
A virada do milênio trouxe uma revolução para a ginástica brasileira. Daiane dos Santos é, sem dúvida, a maior estrela desta geração. Com uma atuação inesquecível ao som de “Brasileirinho”, Daiane conquistou a medalha de ouro no Mundial de Anaheim, nos EUA, em 2003. Seus movimentos inovadores, conhecidos como “Dos Santos 1” e “Dos Santos 2”, deixaram uma marca permanente marca no esporte.
Os irmãos Hypolito também brilharam em competições internacionais. Daniele Hypolito fez história ao conquistar a primeira medalha mundial do Brasil, uma prata em 2001. Seu irmão, Diego Hypolito, tornou-se um dos maiores medalhistas mundiais do Brasil, acumulando cinco medalhas ao longo de sua carreira.
“Essas gerações que vieram depois de nós ganharam uma estrutura melhor e um apoio maior, inclusive financeiro
”, diz Altaïr.
Investimentos em ginástica
À medida que o Brasil conquistou medalhas e teve atuações brilhantes como ginastas individuais, o Comitê Olímpico Brasileiro proporcionou uma estrutura muito melhor para a seleção brasileira de alto rendimento. “Hoje o Team Brasil conta com uma equipe multidisciplinar composta por médicos, psicólogos, fisioterapeutas, comissão técnica e árbitros; além de estudos e pesquisas para apoiar o desenvolvimento das atletas”, explica Prado, que integra o Comitê Técnico Feminino da Confederação Brasileira de Ginástica.
“Na nossa época, essa estrutura gigante de trabalho científico, junto com trabalho técnico, era impensável”, diz Altair.
Através do apoio de patrocinadores e do Governo Federal, por meio do Bolsa Atleta, os ginastas podem se tornar atletas profissionais, pois contam com apoio para continuar estudando e se especializando na área. “Esse apoio financeiro garante longevidade ao atleta. Exemplo disso é Jade, 33 anos, atleta profissional com formação acadêmica”, explica o árbitro.
Novos talentos e conquistas recentes
A trajetória de sucesso continuou com ginastas como Jade Barbosa, Arthur Zanetti e Arthur Nory, que solidificaram a presença do Brasil no cenário mundial. Arthur Zanetti, em especial, se destacou como o primeiro brasileiro a conquistar a medalha de ouro olímpica na ginástica, nos Jogos de Londres, em 2012.
Rebeca Andrade
, porém, desponta como a maior ginasta brasileira de todos os tempos. Com um número impressionante de conquistas em torneios internacionais, Rebeca fez história ao se tornar a 11ª ginasta da história e a terceira neste século a obter medalhas em campeonatos mundiais em todos os aparelhos.
“Depois dos Jogos Olímpicos de Tóquio, havia filas de pais querendo matricular as filhas na ginástica, porque queriam ser Rebecas, Jades e Daianes na vida”, lembra Prado.
Sua atuação em Antuérpia, em 2023, consolidou sua posição como uma das melhores ginastas do mundo e, em Paris 2024, Rebeca se tornou a maior atleta da história brasileira, conquistando quatro medalhas.
O futuro da Ginástica Artística no Brasil
Atualmente o Comitê Brasileiro de Ginástica possui parceria com a Caixa Econômica Federal que busca novos atletas em todo o Brasil. O projeto Centro Caixa Excelência – Jovem Promessa de Ginástica oferece a prática gratuita de ginástica artística para crianças, adolescentes e adultos, atuando na formação de cidadãos, na inclusão social e na detecção de novos talentos para a ginástica.
“Hoje temos três equipes de ginastas e fazemos exames, porque os atletas que temos hoje vão parar um dia e queremos continuar esse trabalho”
diz Prado.
O crescimento da ginástica artística no Brasil reflete uma trajetória de superação, talento e dedicação. As conquistas alcançadas por esses atletas inspiram as novas gerações e fortalecem a presença do Brasil no cenário esportivo internacional. Com um legado de 25 medalhas em campeonatos mundiais, o país continua cultivando talentos que prometem levar a ginástica brasileira a novos patamares de excelência e reconhecimento global.
“A ginástica se tornou uma paixão nacional. Como é lindo ver a Rebeca conquistando uma medalha de ouro. É muito bonito quando falam, porque é uma medalha de muitas gerações e de muitas mãos, e os treinadores reconhecem isso. É uma dedicação enorme do atleta, então, para as gerações futuras, só aconselho a se entregarem, porque é doloroso, mas a recompensa vem com a satisfação de representar o seu país. As gerações futuras devem ter esse desejo, se inspirar no sangue nos olhos – no caso de Flávia Saraiva, literalmente, com aquele olho roxo – que essas meninas agora têm. Dedicação, brilho nos olhos, respeito por toda equipe e humildade. Porque a minha geração abriu caminho para essa brasilidade que temos hoje”
aconselha o medalhista.