Nos três principais jornais brasileiros do último domingo, o fraude eleitoral
do ditador Nicolás Maduro
dominou as notícias – e também os artigos assinados. Na “Folha de S. Paulo”, seis dos nove textos dos colunistas trataram desse tema; no “Estado de S. Paulo”, três em cinco. Em “O Globo”, três de oito. Dos doze artigos que têm Maduro como personagem principal, apenas um defende o ditador e o Sistema eleitoral venezuelano.
O raciocínio utilizado pelo autor, jornalista historicamente ligado ao Partido dos Trabalhadores, adota uma linha segundo a qual a oposição não tem provas concretas de manipulação de resultados e que, goste ou não o presidente venezuelano, é preciso defender democracia e aceitar os números divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral.
Toda a lógica contida neste texto, porém, é desmontada com uma única pergunta: onde estão as atas que comprovam a votação?
Nenhum sistema é suficientemente sólido se não houver transparência. O mecanismo utilizado por Venezuela
pode até ser eficaz do ponto de vista técnico – mas sem a publicação da ata eleitoral não há como atestar a lisura da eleição.
Os venezuelanos, diariamente, demonstram profunda insatisfação com o governo. A quantidade de cidadãos que cruzaram as fronteiras e foram tentar uma nova vida em outros países atesta esse descontentamento: segundo dados das Nações Unidas, 7,7 milhões de venezuelanos deixaram sua terra natal desde 2014. Quando as fronteiras brasileiras em Roraima foram abertas, houve dias em que 400 pessoas deixaram o país vizinho e pediram abrigo ao Brasil.
No meio de toda a discussão está o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tentou ficar em cima do muro ao se manifestar sobre o assunto, dizendo que o que está acontecendo na Venezuela é normal. Lula está entre a espada e a espada. Por um lado, percebe que a opinião pública tem a ideia de que Maduro é um ditador e mente ao se proclamar reeleito. Por outro lado, porém, ele precisa satisfazer a torcida esquerdista e defender um projeto político socialista.
Outros presidentes que professam a sua fé no socialismo, como Gabriel Boric (Chile), Pedro Castillo (Peru) e Gustavo Petro (Colômbia), já condenaram Nicolás Maduro e criticaram a falta de transparência na contagem dos votos venezuelanos. Neste time de presidentes latino-americanos alinhados ideologicamente ao regime chavista e com relevância, apenas o brasileiro não atacou explicitamente o ditador venezuelano.
Lula deveria seguir o exemplo de Boric, Castillo e Petro e romper imediatamente com Maduro, seja defendendo o democracia
ou para o seu futuro político. A partir desta semana entraremos numa nova fase de eleições autárquicas, com vários candidatos oficiais. O episódio da Venezuela e a atitude de Lula serão situações que serão exploradas politicamente – em detrimento do PT e dos seus aliados.
A história tem alguns exemplos de líderes políticos que cederam aos tiranos e acabaram se saindo mal. Um desses acontecimentos ocorreu durante a visita do presidente português Francisco Craveiro Lopes ao Brasil em 1957. O General Craveiro, representante do ditador António de Oliveira Salazar, foi recebido em cerimónia oficial por Juscelino Kubistchek, que lhe fez um discurso de boas-vindas.
Durante a saudação, o brasileiro queixou-se das “injustiças passionais no julgamento do eminente senhor Oliveira Salazar”. Na prática, JK destacava as atrocidades cometidas pelo regime de Salazar e destacava as críticas feitas à presença de Craveiro no Brasil. Ele recebeu uma enxurrada de desaprovação de vários jornais e viu sua popularidade despencar momentaneamente. Ele aprendeu a lição e nunca mais apoiou ditadores em seus discursos.
O falecido Jornal do Brasil encontrou uma forma de registrar a visita do presidente português de uma forma que pudesse inspirar o PT. Ao registrar o alto número de participantes no desfile do Craveiro, JB surgiu com o seguinte título: “Nunca houve nada igual no Rio”. Com isto, demonstrou a sua simpatia pelo povo português e pela grande comunidade portuguesa da cidade. Mas fez inúmeras críticas à ditadura de Salazar em todos os artigos que falavam da visita do presidente português. Os petistas podem mostrar a sua simpatia pelo povo venezuelano e tentar poupar a política económica de Maduro (o que é praticamente impossível), atacando a falta de liberdade democrática e de transparência no processo eleitoral.
Maduro é um pária e deve ser tratado como tal. O Brasil não pode ignorar aqueles que desrespeitam a democracia e fazem de tudo para permanecer no poder, inclusive com severa repressão, que já resultou em cerca de vinte mortes. Se Lula não demonstrar coragem, ficará registrado na história como um presidente fraco e conivente com uma ditadura que tem tudo para se tornar cada vez mais sanguinária a partir de agora.