POR ROBERT MUGGAH
As inundações devastadoras no Rio Grande do Sul em maio resultaram em mais de 175 mortes e deslocaram mais 423 mil pessoas. Embora seja a pior catástrofe natural do estado em quase um século, os movimentos populacionais em massa desencadeados pelas mudanças climáticas não são novidade no Brasil.
Nas últimas duas décadas, pelo menos 8 milhões de brasileiros migraram
devido a tempestades, inundações, incêndios florestais, secas ou subida do nível do mar. Só em 2023, aproximadamente 745.000 pessoas foram deslocadas por fenómenos meteorológicos extremos combinados com os efeitos do El Niño. Este aumento da mobilidade climática não só revela os perigos das alterações climáticas, mas também expõe o despreparo dos governos e das sociedades para enfrentar estes desafios.
No Brasil e em outros lugares, a decisão de ficar ou sair não é motivada apenas por eventos climáticos cada vez mais intensos e frequentes. Os riscos socioeconómicos persistentes, como a insegurança alimentar, a pobreza, a desigualdade e o acesso aos serviços básicos, desempenham um papel central.
No entanto, não se sabe exatamente quantos brasileiros estão se deslocando devido às mudanças climáticas porque não existem sistemas de registro centralizados para monitorá-los. Embora os acontecimentos extremos gerem manchetes, as pessoas deslocadas, que migram voluntariamente ou são realocadas devido a desastres naturais e degradação ambiental, ou mesmo populações vulneráveis “presas” e incapazes de se mover, são em grande parte invisíveis.
Os países da América Latina e das Caraíbas enfrentam um futuro de ameaças climáticas crescentes, incluindo inundações, incêndios florestais, aumento do calor e do nível do mar. No Brasil, as temperaturas deverão subir entre 1,7°C e 5,3°C até o final do século. Prevê-se que a precipitação anual e as secas aumentem no norte, centro e sul do país. Pelo menos 2.000 dos 5.568 municípios são extremamente vulneráveis e necessitam urgentemente de planos de emergência climática.
No entanto, apenas 14 dos 26 estados do Brasil desenvolveram tais estratégias. Apesar da crescente preocupação pública, as autoridades nacionais e estatais não deram prioridade à adaptação e à resiliência relacionadas com o clima.
Uma nova postura para o Brasil
Os líderes federais, estaduais e municipais do Brasil precisam desenvolver e implementar uma estratégia nacional e uma resposta interinstitucional coordenada que seja proporcional à escala da ameaça. O próximo Plano Nacional para as Alterações Climáticas e o Fundo Verde para o Clima devem incluir disposições claras para abordar a mobilidade climática, incluindo projectos-piloto nas áreas mais vulneráveis.
Ó Plano Nacional de Adaptação
(PNA) do Brasil, elaborada há uma década, necessita urgentemente de uma atualização. O Centro Nacional de Monitorização e Alerta de Desastres Naturais (CEMADEM) também deve começar a monitorizar a mobilidade climática como parte do seu mandato.
O Brasil precisa mudar sua postura de reativa para proativa em relação às crises climáticas, fortalecendo a resiliência. Isto exigirá a expansão das capacidades de alerta precoce e resposta do país, inclusive a nível estadual e local. O investimento em estratégias de adaptação baseadas nos ecossistemas deve ser direcionado tanto para áreas de expulsão como para áreas de realocação, a fim de minimizar os riscos antes, durante e depois da movimentação das pessoas.
Outras prioridades incluem melhorias na resiliência e nas infraestruturas em comunidades costeiras e propensas a inundações, maior acesso a culturas e gado resistentes à seca e medidas para melhorar e requalificar as pessoas cujos meios de subsistência serão afetados pelas alterações climáticas.
As autoridades brasileiras poderiam acelerar o progresso atualizando a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) e a PNA para refletir a velocidade dos riscos de mobilidade climática. É verdade que a versão mais recente do PNA destaca as ameaças colocadas por eventos extremos cada vez mais frequentes e os riscos das alterações climáticas para as oportunidades de emprego e os padrões de migração, especialmente entre os pobres.
A PNA destaca também o aumento dos chamados “refugiados ambientais” e da migração para as cidades, além de apresentar uma estratégia setorial nacional com disposições para realocar e redistribuir as populações em áreas prioritárias. Estas estratégias devem ser atualizadas e aceleradas, incluindo financiamento adequado do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) e, potencialmente, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial.
Experiências de outros países podem servir de inspiração para o Brasil
Dada a certeza de que os choques e as tensões climáticas irão aumentar, são necessárias medidas mais ousadas. O Brasil poderia se inspirar na Colômbia, que está prestes a aprovar uma nova lei de “mobilidade climática” (Projeto de Lei 299) que especifica os direitos das populações afetadas, propõe um registro unificado para monitorar os movimentos populacionais e atribui responsabilidades claras para a ação, desde o centro para o nível local.
O Brasil também poderia aprender com a experiência do Chile, que já investiu no planejamento preparatório para populações deslocadas e migrantes climáticos, incluindo a identificação de áreas para potencial realocação de populações deslocadas pelo clima com base na sua capacidade de absorção.
Além disso, em vários estados das Caraíbas, incluindo Santa Lúcia, as autoridades locais estão a investir na restauração de terras costeiras para reduzir a probabilidade de deslocalização. Para construir resiliência local, o Brasil deve expandir os esforços para formalizar assentamentos precários, investir em moradias seguras e sustentáveis e regularizar a posse da terra.
À medida que as implicações de um mundo em aquecimento se tornam mais claras, o Brasil enfrenta um cenário complexo de escolhas sobre como se preparar para a movimentação de pessoas. Tal como as grandes cidades, da China e da Indonésia aos EUA e à Europa, que estão a ser sobrecarregadas pela subida do nível do mar, o Brasil poderá ter de construir cidades inteiramente novas.
No Rio Grande do Sul isso já é uma possibilidade real. O vice-governador do estado explicou que “não podemos descartar a necessidade de retirar cidades inteiras de onde estão e reconstruí-las em outras localidades”. Com mais da metade de todos os brasileiros vivendo a menos de 150 quilômetros da costa, esses desafios podem estar mais próximos de casa do que muitos imaginam.
Robert Muggah
– Diretor de pesquisa, especialista em segurança pública, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Este texto foi republicado em
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