A decisão de eliminar o imposto sobre a carne no texto que regulamenta a reforma tributária viu raro recuo do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL)
, diante da pressão da bancada ruralista. A situação também gerou uma guerra de narrativas sobre quem seria o responsável pela inclusão: o PL, principal partido da oposição, ou o presidente Lula (PT).
Fechado ao mercado, Lira defendeu a cobrança de 60% da alíquota padrão (26,5%) para carnes bovinas, suínas e de frango. Publicamente, argumentou que a inclusão de proteínas poderia ultrapassar a taxa total de imposto prevista pelo Ministério das Finanças. No entanto, ele não obteve votos suficientes para manter esta posição.
Durante a votação da reforma no plenário da Câmara, o PL e a bancada ruralista se alinharam para aprovar um destaque que institui o imposto zero sobre a carne. O PT também aderiu à proposta. Posteriormente, a proposta foi massivamente apoiada pelos outros partidos.
O movimento que obrigou Lira a recuar começou quando os ruralistas mostraram que votariam contra o presidente da Câmara. Os deputados agrícolas ganharam força após receberem apoio do PL, maior grupo da Câmara com 98 parlamentares, e partido que destacou o imposto zero sobre a carne.
O presidente da FPA (Frente Parlamentar Agrícola), deputado Pedro Lupion (PP-PR), estimou que teria pelo menos 400 votos, mesmo sem o apoio de Lira. Para que o imposto sobre a carne fosse zerado, foram necessários 257 votos. Ao final, graças a um acordo alcançado durante a votação, o destaque da inclusão da carne teve 447 votos a favor e apenas três contra.
O grupo ruralista defendeu que a carne é um produto vital para a população e destacou o considerável poder financeiro dos empresários do sector e a capacidade de lobby que isso confere. Vários representantes agrícolas estiveram no plenário durante a votação.
Fontes entrevistadas pelo UOL que participaram das negociações disseram que Lira recuou para evitar o que seria uma rara derrota pessoal. Principal cacique do centrão, ele está no segundo mandato como presidente da Câmara e já se acostumou a escolher qual lado vencerá. Nas questões econômicas, há aliança com o governo e aprovação de projetos. Noutros assuntos, o padrão é juntar-se à oposição e vencer.
Além da possibilidade de derrota pessoal, Lira se convenceu com uma mudança no texto feita pelo relator Reginaldo Lopes (PT-MG). Incluía uma trava que impede o aumento da alíquota padrão e autoriza o governo a enviar projeto de lei complementar caso ela seja ultrapassada.
Em sinal de apoio, alguns discursos pós-votação agradeceram a Lira. O deputado, que realizou diversas reuniões ao longo da tarde para tentar dissuadir o PL e a bancada do agronegócio, foi elogiado pela articulação durante a votação que culminou na entrada das proteínas na cesta básica sem impostos.
“Acho que a posição está errada em termos de alíquota e está certa em relação ao que eles [deputados] eles pensam em alimentos básicos. Os responsáveis pelas discussões da Casa são os parlamentares”, disse Arthur Lira, presidente da Câmara.
Para angariar apoio, Lira usou seu peso político antes de recuar. O deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), autor da emenda que eliminou o imposto sobre carnes, revelou que o presidente da Câmara procurou Jair Bolsonaro (PL) nesta quarta-feira. Além disso, Lira contatou Valdemar Costa Neto, presidente do PL. No entanto, os esforços não tiveram sucesso, pois o partido manteve a alteração e sinalizou ainda que os seus 98 votos apoiariam a isenção do imposto sobre a carne.
Reações e articulações
Apesar da oposição a Lira, o grupo ruralista evitou incentivar divergências internas, culpando o Ministério da Fazenda pela falta de consenso. Alegaram que o ministro Fernando Haddad apresentou números incorretos ao presidente da Câmara. A articulação de Lira não teve sucesso porque a bancada do PL percebeu que isentar o imposto sobre a carne seria benéfico para a sua imagem junto aos eleitores. Apoiar essa causa também foi visto como uma posição contrária ao governo federal.
O texto do Executivo previa a cobrança de imposto sobre a carne, o que foi amplamente citado em discursos de deputados da oposição, que se diziam responsáveis pelo imposto zero. O PT também se declarou vitorioso, com os deputados destacando que Lula sempre foi a favor da isenção do imposto sobre a carne, associando a medida à melhoria da qualidade de vida da população.
Assim que foi publicado o texto da reforma tributária, houve forte reação da bancada agrícola em razão do imposto sobre a carne. À medida que o projeto foi sendo lido, o número de reclamações aumentou, chegando a 30 itens. Até ao dia da votação, estes pontos continuaram a ser motivo de reclamações dos deputados agrícolas.
As reuniões para tratar desses temas começaram às 8h30 desta quarta-feira (10), e houve entendimento em relação a 18 itens. No entanto, as reuniões foram tensas, com lobistas mandando outros lobistas calarem a boca. Os deputados que integravam o grupo de trabalho da reforma foram pegos de surpresa.
O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) entrou na sala onde eram discutidas as demandas agrícolas e ouviu: “Esse será o texto que finalizaremos aqui”. Lopes saiu chateado e afirmou que procuraria Arthur Lira. Minutos depois, o deputado Claudio Cajado (PP-BA), também integrante do grupo de trabalho, reclamou das concessões à agricultura e foi atrás do presidente da Câmara para entender o que estava acontecendo.
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