Em 14 de agosto de 2018, o Brasil promulgou uma lei de Regulamento Geral de Proteção de Dados (LGPD), com o objetivo de “proteger os direitos fundamentais à liberdade, à privacidade e à livre forma da personalidade individual”, segundo o site oficial do Governo Federal. Para Ronaldo Lemos, criador do Marco Civil da Internet e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, a LGPD “integrou a cultura de proteção de dados no país”.
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Lemos, mestre pela Harvard Law School e doutor pela Universidade de São Paulo, relembra as mudanças provocadas por essa lei: “Com a aprovação da LGPD em 2018, tudo mudou. As empresas tiveram que aprender e implementar medidas rigorosas em relação à segurança de dados. As pessoas olham para as suas informações e sabem que têm os seus direitos. ”
Porém, passados 6 anos, o presidente da Comissão de Tecnologia e Inovação da OAB SP levanta a questão sobre “o momento em que nos encontramos e se não tivemos uma overdose”. Além de confirmar que “a luta pela proteção de dados é mais coletiva do que individual, assim como aconteceu com a LGPD, todos os dados brasileiros foram colocados online”.
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Em entrevista à Forbes Brasil, Ronaldo Lemos detalha as soluções e brechas da Lei Geral de Proteção de Dados. Verificar:
Forbes Brasil: Nos últimos seis anos, quais foram os principais impactos da LGPD no Brasil?
Ronaldo Lemos: A LGPD consolidou a cultura de proteção de dados no país. Antes dele, essa tradição não existia. A constituição de 1988 falava da protecção dos dados e da dignidade humana, mas a nível jurídico não havia nada de concreto. Com a aprovação da LGPD em 2018, tudo isso mudou. As empresas tiveram que aprender sobre segurança de dados. Não apenas para aprender, mas também para implementar medidas concretas sobre o assunto. Seis anos depois da aprovação da lei, a questão agora é perguntar-nos onde estamos e se fomos longe demais. Se não sairmos do período de protecção de quase zero, para o período de protecção extrema, é maior do que a protecção de dados utilizada na Europa para determinados sectores.
FB: Neste momento, quais são os principais desafios do Judiciário brasileiro, especialmente em termos de implementação, gestão e responsabilização?
RL: O Judiciário tem recebido muito bem a LGPD e já tivemos alguns casos graves e importantes de sua aplicação no Supremo. Contudo, a LGPD vai além do Judiciário. Isso porque a LGDP deu competência para garantir a proteção de dados à ANDP, Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Então o desafio nos últimos anos foi ver como a ANPD se comportará, se terá orçamento, pessoal e recursos suficientes para cumprir a sua missão. Mais importante ainda, se a Autoridade conseguirá se mostrar independente do Poder Executivo, especialmente porque em 2022 outra lei a tornou um poder independente. A resposta a essas perguntas é sim, a ANPD provou ser eficaz e desempenhou um papel importante. Contudo, apesar da lei de 2022, a ANDP ainda não é independente do Ministério Executivo e ainda depende do Ministério da Justiça e Universalidade para funcionar. Esta ainda é uma questão importante.
FB: Considerando o avanço da inteligência artificial, quais medidas a LGPD pode tomar para proteger os dados dos usuários de ferramentas cada vez mais autônomas e independentes do escrutínio humano?
RL: A LGPD cria um grupo de superpoderes para a Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Tem a oportunidade de criar ao mesmo tempo novas leis nesta matéria, de investigar o crime e de puni-lo. É como se ele fosse ao mesmo tempo o legislador, o juiz e o executor da transfusão de sangue. Pode impor multas elevadas, de até 50 milhões de reais. E tem o poder de parar redes, serviços e plataformas. Este poder está começando a ser amplamente utilizado. Por exemplo, a ANPD decidiu este ano com um decreto que a Meta não treinará sua inteligência artificial com informações de brasileiros. Em outras palavras, baniu a inteligência artificial do Meta do país. Em outros países o serviço é integrado ao Whatsapp, mas no Brasil não, conforme decisão da ANPD. Isto mostra a extensão do poder da Autoridade. Na verdade, a ANPD foi criticada por tomar essa decisão contra uma empresa, mas não fez o mesmo em relação a outras mais graves. À medida que a Autoridade se expande, é provável que vejamos mais decisões como esta.
FB: Os brasileiros percebem a importância de proteger seus dados?
RL: Sem dúvida. Uma cultura de proteção de dados se enraizou no Brasil. A LGPD tornou-se um novo tipo de “Código de Defesa do Consumidor”, apenas para dados pessoais. É importante lembrar o impacto que o Direito do Consumidor teve na vida das pessoas no país. Hoje, se um produto apresentar defeito, o cliente com certeza vai até a loja e troca. Não era assim antes. A mesma coisa acontece com a LGPD, as pessoas olham seus dados pessoais e sabem que têm direitos sobre eles. Eles sabem que podem pedir a alteração da imprecisão, que podem recusar o fornecimento de informações e diversas condições que devem ser respeitadas. Isso é muito bom.
FB: Os brasileiros sabem que seus dados estão protegidos por lei?
RL: Parte do país sabe. O resto, infelizmente a maioria, não o é. O país está profundamente dividido devido à desigualdade. Neste momento, infelizmente a LGPD ainda está disponível para uma pequena parte da população brasileira, justamente os mais ricos e mais instruídos. Mas mesmo que grande parte da população não conheça a lei em si, esta parte também se beneficia dela. O desafio, desta forma, é manter a lei alinhada ao interesse público. Dado que esta Lei tem muitas questões, a sua interpretação deve ter em conta a maioria dos cidadãos do país. Seria altamente indesejável, por exemplo, que a LGPD fosse interpretada e aplicada de forma hierárquica, beneficiando o segmento urbano mais instruído do país, enquanto o segmento majoritário se tornasse uma barreira para questões como o acesso ao conhecimento. e serviços que podem ser considerados importantes do ponto de vista desta comunidade.
FB: Quais fatores os usuários devem estar atentos para proteger seus dados? Como devem proceder com as infrações relacionadas à LGPD?
RL: Essa é uma boa pergunta. A batalha pela proteção de dados hoje é mais coletiva do que individual. Por exemplo, apesar da LGPD e da ANPD, todos os dados brasileiros foram carregados online. Chamei isso de “o fim do mundo furado”. Bom porque hoje qualquer hacker pode obter todas as suas informações na comunidade do Telegram, seu RG, CPF, nome do pai, nome da mãe, data de nascimento, número de celular, endereço, se você é sócio de empresas e cópia de seus documentos. . É por isso que o Brasil se tornou um paraíso para golpes online. Todo mundo conhece alguém que foi vítima de fraude. 1 em cada 4 brasileiros já sofreu uma tentativa de golpe. Existem tentativas de fraude de 4.600 moedas por hora. O dano causado é de 71 bilhões por ano. Chamadas telefônicas são trocadas e criminosos usam dados pessoais para selecionar vítimas. Portanto, nós também vivemos em confusão. Temos um nível muito elevado de proteção de dados na lei, mas parece funcionar de uma forma especial, mais para casos mais desenvolvidos, mais complexos. Para casos como este, que acontecem todos os dias e afetam a todos nós, inclusive aos mais vulneráveis, a Lei não mostrou como isso aconteceu. Por tudo isso, há muito pouco que os indivíduos possam fazer para se proteger no Brasil em relação a esses dados vazados. Neste caso, dependendo da magnitude do problema, o Tribunal deverá atuar em uma instituição.
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