Rodrigo OROPEZA
A economia do México entrou num caminho desconhecido e incerto para os negócios e o crescimento, após a aprovação de uma reforma que torna o país norte-americano o primeiro a eleger todos os seus juízes por voto popular.
Agências de classificação como a Moody’s, analistas e empresários alertam que a alteração constitucional pode enfraquecer a solidez e as finanças da 12ª maior economia do mundo, ao “corroer” o equilíbrio entre poderes e ao enfraquecer as suas instituições.
O presidente de esquerda, Andrés Manuel López Obrador, para quem a reforma era necessária para combater a corrupção, ignora estes avisos e afirma que o seu governo atraiu números “recordes” de investimento estrangeiro.
Mas o que implica a mudança constitucional para o investimento, o comércio e o crescimento?
– O que os investidores temem? –
O cerne das preocupações é o receio de ver um Judiciário deteriorado como contrapeso aos poderes Executivo e Legislativo, alerta um relatório da Moody’s.
“A nova lei poderia politizar as decisões do Supremo Tribunal”, além de “comprometer a independência do sistema”, afirmou a agência.
Os investidores alertam que, com os juízes dependentes das eleições, “haveria uma tendência para tomar decisões com base no que repercute bem nos eleitores”, afirma Jason Marczak, vice-presidente do Centro Adrienne Arsht para a América Latina, parte do think tank Atlantic Council.
Durante o mandato de López Obrador, decisões do Supremo Tribunal e de outros tribunais limitaram o impacto sobre as empresas de outra iniciativa legislativa que procurava expandir o controlo estatal sobre o sector eléctrico.
“O sistema judicial bloqueou anteriormente mudanças legais radicais”, destaca a Moody’s, que mantém o México com classificação Baa2, dentro do grau de investimento, e perspectiva estável.
A reforma, no entanto, representa um “alto impacto negativo” no rating soberano, segundo a agência.
– Como isso afetará o comércio? –
As mudanças podem alterar o arcabouço jurídico do comércio exterior mexicano, altamente concentrado nos Estados Unidos e no Canadá, seus parceiros do T-MEC, com os quais o país trocou mercadorias no valor de cerca de 750 bilhões de dólares (R$ 4,18 trilhões a preços correntes) em 2023.
As regulamentações rigorosas que o tratado estabelece para sectores como o automóvel ou para a resolução de conflitos laborais poderão ser afectadas por juízes mais preocupados com os eleitores do que com as leis.
Existe a preocupação de que “os juízes não considerem apenas a legislação mexicana e os acordos com os Estados Unidos e o Canadá como parte do T-MEC”, acrescenta Marczak.
A reconfiguração do Judiciário afetará também uma revisão do T-MEC, prevista para 2026.
“Já seria uma revisão muito controversa, mas se somarmos esta enorme reforma (…) tornará o México muito mais vulnerável”, aponta Carlos Ramírez, sócio da consultoria Integralia.
– O que significa “nearshoring”? –
Mudanças no sistema judicial “seriam particularmente prejudiciais” para futuros investimentos na deslocalização de empresas da Ásia para o México, alerta a Moody’s.
Esta tendência, conhecida como “nearshoring”, procura aproveitar as melhores condições logísticas e geopolíticas que o México oferece para abastecer o mercado americano e apresenta-se como uma grande esperança para impulsionar o crescimento a longo prazo.
Embora não seja provável que estes fluxos de investimento parem completamente, os especialistas acreditam que a reforma poderá arrefecer o entusiasmo de muitas empresas.
“As reformas trarão um nível adicional de questionamento aos conselhos de administração” das empresas, preocupados com a segurança jurídica dos seus investimentos, disse Marczak.
López Obrador minimiza essas previsões e afirma que 2024 será “o ano com maior investimento estrangeiro na história do México”.
– A reforma irá abrandar o crescimento? –
Possíveis perdas no investimento e no comércio acabariam por afectar o crescimento esperado do PIB, que antes da reforma já tinha sido reduzido pelo Banco do México (central), de 2,4% para 1,5% para este ano e de 1,5% para 1,2% para 2025.
“É muito possível, por causa da reforma do Judiciário, que a economia mexicana entre em um longo período de estagnação” e uma “recessão não pode ser descartada”, disse Gabriela Siller, diretora de análise do Banco Base, sobre o social rede X.
Como prenúncio, o peso mexicano atingiu os seus níveis mais baixos em dois anos, pouco antes da aprovação parlamentar, mas posteriormente valorizou-se à medida que os lucros foram obtidos.
A consultora Oxford Economics salienta que, embora a reforma não reduza imediatamente o crescimento, irá arrefecer o investimento privado, que poderá cair até 12% abaixo do previsto, arrastando consigo o PIB.
A Moody’s, por sua vez, concorda que “um choque de confiança prolongado” desaceleraria o investimento empresarial e reduziria o crescimento após 2025.