POR FERNANDA WENZEL, DE MONGABAY
Eucalipto e pinho já cobrem uma área de quase 10 milhões de hectares nos quatro cantos do território brasileiro; uma área maior que a de Portugal. São muros e muros de árvores plantadas para abastecer principalmente o mercado mundial de celulose, que tem o Brasil como seu maior exportador.
Mas o que de longe parece ser uma floresta revela-se um ambiente pobre em formas de vida. “Não é floresta, é cultivo de árvores, cultivo de madeira”, diz Paulo Brack, professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Você tem praticamente todas as árvores de uma só espécie, que também são clonadas, o que reduz ainda mais a biodiversidade.”
Estudo mostra menor biodiversidade
Novas evidências do impacto destas culturas nas paisagens naturais vêm de uma artigo publicado no início de agosto na revista Acta Limnológica Brasiliense . Sheila Peixoto, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), quis entender como as monoculturas de eucalipto impactam as formas de vida em nascentes localizadas na Mata Atlântica. Para isso, ela optou por analisar a presença dos chamados macroinvertebrados bentônicos, grupo formado por pequenos animais que vivem na argila depositada no fundo de nascentes, como larvas de insetos, moluscos e vermes de água doce.
“São bons bioindicadores ambientais”, explicou o investigador, esclarecendo que o grupo inclui seres que vão desde seres extremamente sensíveis até outros muito resistentes às alterações do ecossistema. “Dependendo de quem encontrarmos naquele local, podemos ter uma ideia se houve impacto naquela nascente. Esses animais podem contar uma história.”
Peixoto analisou dez nascentes do sudeste de Minas Gerais, estado que é campeão em área de florestas plantadas de eucalipto, respondendo por 30% das plantações do Brasil. Cinco amostras foram coletadas em nascentes cercadas por vegetação nativa e outras cinco em áreas de eucalipto. Além do menor número de animais, o pesquisador descobriu que, em nascentes cercadas por monoculturas de árvores, houve uma diminuição de 28% na diversidade de espécies.
“Em nascentes com áreas de eucalipto, a análise não identificou nenhum dos grupos de macroinvertebrados bentônicos mais sensíveis às alterações ambientais”, explicou Peixoto. “Concluímos que o eucalipto realmente interfere nas nascentes de forma negativa.”
Segundo o pesquisador, uma das explicações para a queda da biodiversidade é a menor variedade de folhas transportadas para as nascentes nas áreas de floresta plantada. “Se fosse vegetação nativa, seriam incluídas folhas de diversas espécies diferentes. E quanto maior for a variedade de recursos, maior será a biodiversidade. Como estão entrando apenas folhas de eucalipto, isso reduzirá muito o número de organismos que conseguirão sobreviver ali”, explica Peixoto.
Avanço da monocultura nos pampas
O avanço das monoculturas de árvores exóticas não é um problema apenas da Mata Atlântica. No Rio Grande do Sul, a área de florestas plantadas aumentou 1.641% entre 1985 e 2023, segundo levantamento do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá) com base em dados do Mapbiomas.
A maior parte dessa expansão ocorreu justamente sobre o Pampa, bioma que mais perdeu vegetação nativa nas últimas décadas. Formado por campos nativos pontuados por pequenas florestas, o Pampa abriga uma grande diversidade de plantas, além de animais ameaçados de extinção, como o cervo-do-pantanal ( Blastocerus dicotomus ) e outros que só existem lá, como o tuco-tuco ( Ctenomys flamarioni ) e o beija-flor de barba azul ( Heliomaster furcifer ).
“Um metro quadrado no Pampa contém mais de 50 espécies de plantas nativas”, diz Brack, que faz parte da diretoria do InGá. “No momento em que você destrói essas áreas para criar a monocultura, você acaba com esse processo ecológico.”
Segundo a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), entidade que reúne empresas florestais, em 2022 o Rio Grande do Sul tinha 600 mil hectares de florestas plantadas. Mas um novo zoneamento, aprovado em setembro de 2023 pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente, aumentou a área que poderia ser ocupada pelo setor de 1 para 4 milhões de hectares. “É um golpe mortal para Pampa”, diz Brack.
O lobby do eucalipto
Um dos efeitos da supressão da vegetação nativa é o colapso das margens dos rios e a menor capacidade de absorção de água do solo. Segundo especialistas, esses foram fatores decisivos na tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul entre abril e maio, quando uma elevação sem precedentes no nível dos rios deixou mais de 600 mil pessoas desabrigadas e 180 mortas.
“A ocupação intensiva do solo perturba os serviços ecossistêmicos e isso aumenta o impacto de uma enchente desse tipo”, afirma Rualdo Menegat, professor da UFRGS e doutor em Ciências na área de Ecologia da Paisagem.
Apesar dos sinais cada vez mais claros de desequilíbrios climáticos, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, no final de maio, uma lei aprovada pelo Congresso que retirou a silvicultura da lista de atividades potencialmente poluidoras. Com isso, os projetos do setor ficam livres do processo de licenciamento ambiental.
Ao ignorar os impactos do setor, a medida foi criticada por organizações da sociedade civil. “A atividade silvicultura potencialmente causa impactos como esgotamento do solo, degradação da qualidade da água, desequilíbrio populacional e redução de espécies de fauna e flora”, afirma nota técnica assinada pelo Instituto Socioambiental (ISA), pelo WWF e pelo Observatório do Clima. As organizações destacam ainda o “uso intensivo de pesticidas e fertilizantes” e a possível expropriação de comunidades tradicionais resultante destas culturas.
A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público do Meio Ambiente (Abrampa) também se pronunciou, destacando um estudo que mostra uma possível redução de até 60% no fluxo de águas superficiais em áreas de florestas plantadas. “Este é um impacto que não pode ser negligenciado, especialmente em tempos de emergência climática”, afirmou a organização.
Por trás da aprovação do projeto está a força do lobby das empresas de celulose, que atuam em articulação com a bancada do agronegócio —como é conhecida a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). “E a narrativa é sempre de que é um setor que não precisa ter controle ambiental porque só faz coisas positivas para o meio ambiente”, afirma Suely Araújo, Coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.
Entre os impactos positivos reivindicados pela indústria florestal está a absorção de gases de efeito estufa. Para Araújo, porém, isso não elimina a necessidade de licenciamento: “Não é que existam apenas aspectos negativos no setor, mas os impactos negativos precisam ser medidos e devidamente abordados”.
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