Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
No filme “Ligações Perigosas”, o Visconde de Valmont (John Malkovich) encerrará seu relacionamento amoroso com Madame de Tourvel (Michelle Pfeiffer) e diz que se sente entediado com o caso. “Está além do meu controle”, diz ele (“Está além do meu controle”). Essa frase é repetida mais oito vezes na cena do rompimento, pois Valmont sabe que está fazendo algo errado – mas segue em frente, pois não tem como controlar sua própria natureza.
Essa cena me veio à mente ontem, ao ver que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez mais uma declaração para incomodar investidores e empresários. Depois de acalmar o mercado financeiro e de se reunir com o ministro Fernando Haddad, endossando um corte de gastos para demonstrar responsabilidade fiscal, Lula aparentemente recuou. O presidente afirmou que precisa “estar convencido” de que “há necessidade ou não de cortar” os gastos públicos.
Frases soltas, que podem ser mal interpretadas, têm sido proferidas pelo presidente em sua longa sequência de entrevistas, que dura quase um mês. Um número significativo de pessoas já disse a Lula para ter calma com esse tipo de afirmação, que tem o poder de impulsionar o dólar. O presidente disse a esses interlocutores, a contragosto, que se comportaria – mas logo depois fez declarações infelizes em outra conversa com jornalistas. É como se esse comportamento estivesse além do autocontrole do presidente. Exatamente como o personagem de Malkovich em “Ligações Perigosas”.
Entre 2018 e 2022, tivemos um presidente que falou demais e até brigou com aliados políticos em praça pública. Mesmo assim, a verborragia de Jair Bolsonaro não teve muito efeito no preço da moeda americana. Com Lula, porém, há um receio claro de que o governo promova o descontrole das contas públicas. Nesse caso, qual seria o dever do presidente? Coloque alguns recados calorosos e tente acalmar os agentes do mercado. Infelizmente, tem feito o oposto – e está se tornando serial. Em todas as entrevistas que concedeu até agora, ele fez questão de fazer alguns comentários que atormentaram os investidores.
Se se tratasse de um exercício de sadismo sem grandes consequências macroeconómicas, estaríamos perante um comportamento excêntrico, que poderia ser visto com humor. Acontece que essas afirmações desajeitadas provocam disparadas no preço do dólar, o que interfere diretamente na composição dos índices inflacionários. E, se houver receio de uma recuperação inflacionista, as taxas de juro não podem ser reduzidas. Ou seja, um verdadeiro tiro no pé da atual gestão e um verdadeiro pesadelo para o ministro Haddad.
Lula sabe de tudo isso, pois já foi avisado por diversas pessoas. Mas, aparentemente, esta compulsão para tagarelar está além do autocontrole do presidente. Talvez para ele seja mais importante jogar diante da torcida do que fazer a coisa certa e deixar a moeda americana estacionada em um patamar razoável.
Durante a entrevista desta semana, Lula deu uma pista sobre a origem de seus discursos. Quando questionado se havia pessoas em sua equipe que pudessem aconselhá-lo e alertá-lo sobre questões governamentais, ele disse o seguinte: “Janja é alguém que muitas vezes me diz não. Ela quer discutir a economia, quer discutir a política de direitos humanos, a política de género, a política de igualdade. Ela quer discutir tudo e eu acho isso maravilhoso”, disse ele.
E você? Você também acha isso maravilhoso?