POR FERNANDA STANISCUASKI
A academia e a ciência continuam a ser um campo onde diversos grupos permanecem sub-representados. As mulheres, em particular, continuam a enfrentar barreiras estruturais e culturais que dificultam o seu progresso e o pleno desenvolvimento das suas carreiras académicas e científicas.
Dados da UNESCO mostram que, globalmente, as mulheres representam apenas 30% dos investigadores. No Brasil, essa proporção é um pouco melhor, mas persiste a desigualdade nas posições de liderança, demonstrando a conhecida efeito tesoura
.
Vale ressaltar que quando a análise leva em conta a raça, a desigualdade é ainda mais marcante. Dos professores de pós-graduação em STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática) no Brasil, 29,2% são mulheres brancas, enquanto apenas 2,5% são mulheres negras, pardas ou indígenas. Ainda mais flagrante é a sub-representação das pessoas com deficiência: apenas 0,19% dos professores do ensino superior são mulheres com deficiência.
A realidade vivida pelas mães no mercado de trabalho
A maternidade representa um desafio significativo para as mulheres cientistas em todo o mundo e contribui para a sua sub-representação, colocando muitas vezes em risco as suas trajetórias académicas. O actual sistema académico não está adequadamente equipado para apoiar as mães que desejam prosseguir as suas carreiras científicas. Pelo contrário, estes cientistas são penalizados por não se enquadrarem num modelo arcaico de academia, que ainda se agarra ao mito de uma falsa meritocracia.
As mães cientistas enfrentam desafios significativos no meio académico, onde as políticas de apoio ainda não correspondem às reais necessidades de cuidados infantis, numa sociedade que coloca a responsabilidade por estes cuidados quase exclusivamente nas mulheres. A pressão constante para publicar artigos científicos, orientar estudantes e garantir financiamento pode ser exacerbada para as mães, que enfrentam perturbações na produtividade devido às responsabilidades de cuidados infantis.
A queda na produtividade das mães é, portanto, esperada, tendo em vista que não existem políticas eficazes de manutenção da carreira, como a possibilidade de contratação de pesquisadoras temporárias para assumirem a pesquisa durante a licença maternidade ou no período imediato ao retorno. É fundamental reconhecer que esta diminuição das publicações não indica falta de empenho, competência ou capacidade das mães cientistas, mas sim uma readaptação da carreira após a maternidade.
No entanto, a expectativa de uma carreira linear e ininterrupta no meio académico não tem em conta estas realidades, criando um ciclo vicioso onde a queda da produtividade resulta frequentemente em menos financiamento e oportunidades de investigação. Isto, por sua vez, limita as possibilidades de progressão na carreira das mulheres cientistas que são mães, contribuindo para a perpetuação da desigualdade de género no ambiente académico.
É importante sublinhar que a maternidade não é um obstáculo à excelência académica, mas sim uma questão de estruturas institucionais e culturais inadequadas que precisam de ser reformadas. Para promover a igualdade de género e a diversidade na ciência, é essencial implementar políticas inclusivas que apoiem eficazmente as mães cientistas.
Isto inclui não só políticas robustas e flexíveis de licença de maternidade, mas também a criação de ambientes de trabalho que valorizem e respeitem as necessidades das mães e promovam oportunidades equitativas para a progressão na carreira científica.
Impactos positivos na vida dos cientistas e dos seus filhos
Iniciativas recentes demonstraram como as políticas inclusivas podem revolucionar este cenário. Ao adaptarem as suas políticas para apoiar eficazmente as mães, as instituições académicas promovem um local de trabalho mais produtivo, diversificado e justo.
Estudos de caso mostram que a inclusão de políticas de apoio à maternidade em editais e bolsas de financiamento impactou positivamente a carreira de mulheres cientistas no Brasil. Desde 2019, a Universidade Federal Fluminense implementa uma política específica dentro do edital PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) para apoio às mães. Este edital oferece bônus de até 5 pontos para professoras que estejam em licença maternidade.
A análise dos resultados de 2021, realizada pela Comissão Permanente para a Igualdade de Género (CPEG), revela o impacto significativo desta iniciativa. Das 505 mulheres que submeteram propostas ao edital PIBIC 2021 como orientadoras, 25 utilizaram os pontos extras relacionados à licença maternidade. Dessas mães, 15 só foram aprovadas devido ao abono previsto no edital.
Portanto, a política de apoio à maternidade estabelecida pela UFF neste edital possibilitou a aprovação de 60% das mães cientistas que submeteram o edital. Contudo, é fundamental reconhecer que ainda existem desafios a superar, como a necessidade contínua de ampliar o acesso a estas políticas e garantir que sejam efetivamente implementadas e respeitadas em todas as instituições de ensino e pesquisa.
Outro exemplo de iniciativas práticas destinadas a apoiar mães cientistas na academia é o “ Apoio às Mães Cientistas
”, implementado este ano pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), em colaboração com o Instituto Serrapilheira e o movimento Parent in Science.
Este programa de financiamento oferece auxílio financeiro a pesquisadoras de Instituições de Ciência e Tecnologia do RJ que se tornaram mães nos últimos 12 anos, facilitando sua reintegração às atividades científicas após a maternidade. Além disso, o edital inclui mães de pessoas com deficiência, permitindo que elas apresentem propostas independentemente da idade dos filhos.
Reconhecer a maternidade atípica em iniciativas como esta é crucial para promover a equidade na ciência e garantir que todos os cientistas tenham oportunidades justas para desenvolver as suas carreiras académicas, respeitando as diferentes circunstâncias familiares que cada um enfrenta.
Precisamos de reconhecer, no entanto, que as políticas inclusivas destinadas a apoiar as mães no meio académico devem ser implementadas de forma a abordar também questões raciais e de classe, que ainda são escassas. Estudar
mostrou que os cientistas negros, durante a pandemia, foram as pessoas mais afetadas em termos de produtividade. Portanto, ações com essa perspectiva interseccional são fundamentais. Um exemplo de ação é o programa Tomorrow, do movimento Parent in Science.
Esse programa de auxílio financeiro para mães estudantes de graduação e pós-graduação foi implementado em 2021 e já atendeu 53 mães, tendo como prioridade as mulheres negras e indígenas, além da situação econômica da estudante. A inclusão de uma perspectiva econômica e racial no contexto de políticas inclusivas para mães na academia é premissa para a promoção da equidade no ambiente acadêmico e científico.
A inclusão das mães traz benefícios para a empresa
As políticas inclusivas destinadas às mães no meio académico não só melhoram as condições de trabalho das mães cientistas, mas também contribuem significativamente para a construção de um ambiente científico mais equitativo, diversificado e sustentável. Além dos benefícios individuais, as políticas inclusivas representam um investimento no futuro da ciência e da sociedade como um todo.
A diversidade (raça, género, regional, etc.) nas equipas de investigação aumenta a criatividade, a inovação e a qualidade das descobertas científicas. Ao promoverem um ambiente onde todas as pessoas possam contribuir plenamente com as suas competências e conhecimentos, as instituições académicas não só promovem a excelência científica, mas também fortalecem a legitimidade e a relevância da ciência na resolução de desafios globais.
As políticas inclusivas para as mães no meio académico não são, portanto, apenas uma questão de justiça social, mas também uma estratégia inteligente para fortalecer a ciência e a inovação e liderar uma mudança substancial no sistema académico e científico, que beneficiará toda a comunidade académica e a sociedade em geral. A flexibilidade do sistema acadêmico, exigida pelas mães cientistas, gerará um efeito cascata benéfico para toda a comunidade científica.
Este movimento por uma nova academia irá mitigar a pressão desumana pela produtividade contínua e ininterrupta, reconhecendo que a vida académica é intrinsecamente não linear e marcada por fases de intensa dedicação e períodos de menor atividade. A flexibilização do sistema promove também um equilíbrio mais saudável entre a vida pessoal e profissional, contribuindo para o bem-estar mental e emocional da comunidade académica.
Ao quebrar o paradigma de uma carreira acadêmica rigidamente estruturada, abre-se espaço para uma maior diversidade de trajetórias e experiências, enriquecendo a pesquisa com perspectivas variadas e inovadoras. Assim, o impacto positivo das políticas inclusivas transcende a questão da maternidade, promovendo uma cultura académica mais resiliente, equitativa e propícia à excelência científica.
Fernanda Staniscuaski
– Docente e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
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A conversa
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