Daniel Duarte
A energia barata do Paraguai atrai dezenas de “empresas de criptografia” legítimas, mas também atrai criminosos que exploram moedas digitais ilegalmente e em grande escala, num mercado cheio de alegações de corrupção.
Na cidade de Hernandarias, a dois quilômetros da colossal barragem de Itaipu, no rio Paraná, foi instalado o Pinguim Paraguaio, onde centenas de computadores estão alinhados em uma área do tamanho de um campo de futebol.
A Penguin oferece “hospedagem para todos os dispositivos de computação, sejam criptomineração, data centers de inteligência artificial ou serviços em nuvem”, disse à AFP Ricardo Galeano, vice-presidente deste centro de computação de alto desempenho.
A localização desta enorme fábrica de criptografia não é aleatória: Itaipu, co-propriedade em partes iguais do Brasil e do Paraguai, é uma das barragens mais poderosas do mundo, com capacidade de gerar 14.000 megawatts por hora.
O Paraguai possui outras duas hidrelétricas: Yacyretá com a Argentina (4 mil megawatts) e Acaray (400).
A eletricidade limpa e acessível do Paraguai é um ímã para a indústria tecnológica: a criptomineração, aquela longa série de cálculos que produz uma unidade de moeda digital, requer uma infraestrutura computacional significativa e, consequentemente, um grande consumo de energia.
Mas nem tudo que reluz é ouro.
Destacado pelo FMI por sua “economia verde”, o Paraguai elétrico não está isento de curtos-circuitos que expõem suas desigualdades: apesar da eletricidade que exporta em abundância, mais de 23% das famílias ainda cozinham com lenha ou carvão, número que chega a para 48% nas áreas rurais.
– Convulsões –
Nos últimos três anos, mais de 60 sites de criptomineração foram estabelecidos no país com aval de autoridades, representando mais de US$ 1,1 bilhão (R$ 6 bilhões pelo câmbio atual) em investimentos, segundo Bruno Vacotti, porta-voz da Penguin e membro do a Câmara de Mineração de Ativos Digitais do Paraguai (Capamad).
A americana Marathon Digital, sócia da Penguin, é o peso pesado do setor, que já investiu US$ 30 milhões (R$ 165 milhões) na fábrica de Hernandarias.
Além dessas empresas, prosperam dezenas de empresas ilegais de criptografia, vampirizando a energia paraguaia e contra as quais, segundo a Penguin, as autoridades lutam fracamente.
No final de maio, policiais e agentes da Administração Nacional de Energia Elétrica (Ande) apreenderam, em uma dessas fazendas clandestinas de criptomoedas em Saltos de Guaira (sul), mais de 2.700 computadores e cinco transformadores, a maior apreensão até hoje.
Na semana passada, quase 700 computadores e um transformador foram apreendidos em uma fazenda em Hernandarias que consumia o equivalente a US$ 60 mil (R$ 331 mil) por mês em energia elétrica.
A Ande admite uma perda de 28% da eletricidade que gera, por diversas causas, incluindo a mineração ilegal.
– Ladrões protegidos? –
Salyn Buzarkis, deputado do Partido Liberal, da oposição, está convencido: “Os criptomineradores ilegais são protegidos pelos funcionários”, acusa, referindo-se explicitamente aos “subornos” que os trabalhadores do Estado estão a receber.
“Por que não conseguem encontrar os ilegais? É fácil detectá-los através do consumo da Internet”, afirma Buzarkis, denunciando também que as fazendas de criptomineração necessitam de eletricidade “equivalente ao consumo de uma cidade inteira”.
O resultado é o paradoxo de um Paraguai que exporta a sua electricidade, mas cujos habitantes ficam muitas vezes no escuro, com cortes de energia frequentes e massivos, como o que ocorreu em Março.
Félix Sosa, diretor da Ande, defende-se: “Somos os primeiros a querer desmascarar os responsáveis” pelo roubo de energia elétrica.
Em conversa com a AFP, Sosa recorda os mais de 71 processos abertos pela entidade perante o Ministério Público por roubo de energia, e os quase 10 mil computadores apreendidos, além de cerca de 50 transformadores.
“É uma luta frontal e séria”, insiste o vice-ministro de Minas e Energia, Mauricio Bejarano, embora Buzarkis garanta que as máquinas apreendidas estão obsoletas e “não servem nem para torrar pão”.
O Senado aprovou uma lei em julho que aumenta as penas para o uso ilegal de energia para criptomineração para um máximo de 10 anos de prisão.
Enquanto isso, os empresários começam a perder a paciência, não só por causa da criptomineração ilegal, mas também por causa de um país “que carece de previsibilidade”.
“O Paraguai não é o paraíso energético que os estrangeiros imaginam”, denuncia Vacotti, da Penguin, acusando os aumentos de preços da Ande de até 16% devido ao “consumo intensivo”.
A indústria contribui com US$ 12 milhões (R$ 66,3 milhões) por mês para a Ande, mas “nossas empresas olham para o Brasil”, alerta Jimmy Kim, da Capamad, que destaca que a criptomineração no Paraguai paga 54% a mais da tarifa convencional de energia elétrica.