O premiado filme cearense “Mais pesado é o céu”
finalmente poderá ser visto pelo público nos cinemas nacionais a partir desta semana. Dirigido por Petrus Cariry
a narrativa conta a história de Antônio ( Matheus Nachtergaele
) e Teresa (Ana Luiza Rios), que pegam a estrada em busca de reconstruir suas vidas. Ao longo do caminho, os dois acolhem um bebê abandonado e formam uma família improvável.
A trama reúne metáforas sobre as mazelas de um Brasil imerso em crise moral e política. Isso porque o filme foi criado em 2017, ano seguinte ao impeachment do ex-presidente
Dilma Rousseff
. As filmagens, por sua vez, aconteceram em 2021 durante a pandemia de Covid-19. Para Cariry, todas as incertezas da época afetaram o projeto: “O filme ficou denso por causa de questões extra-roteiro. O país estava em ruínas. Esses fatos criaram esta grande alegoria da busca por um lugar que não existe além da nossa memória.”
Temas universais, como solidão, carinho, maternidade, solidariedade e esperança aparecem nas sensações e gestos de cada personagem. A ficção não preenche o espectador com um final feliz e bem amarrado. Pelo contrário, levanta mais perguntas do que respostas – e isso não é ruim, pois elas repercutem junto com a fotografia deslumbrante.
Exibido em 20 festivais, o filme ganhou diversos prêmios nacionais e internacionais. Na edição de 2023 do
Festival de Cinema de Gramado
Cariry recebeu os prêmios de melhor direção, melhor fotografia e melhor edição (em parceria com Firmino Holanda), além do Prêmio Especial do Júri
para a atriz Ana Luiza Rios
pela interpretação do protagonista. O elenco também conta com nomes como Silvia Buarque, Danny Barbosa
e Lira Buda
. Abaixo, veja a entrevista completa com o diretor e elenco de “Mais pesado é o céu”
:
Este é um filme que foca menos na narrativa e mais nos sentimentos que ela desperta no espectador. Qual a importância de provocar essas sensações?
Petrus Cariry –
Este filme emociona muito o espectador. Desde a primeira exibição, no Festival de Gramado, percebemos que quem assistiu ficou emocionado de alguma forma. E isso é maravilhoso porque ele trata de assuntos muito densos. Há uma alegoria muito forte com o Brasil em ruínas e pessoas à margem da sociedade em busca de um futuro melhor – um horizonte que não parece ser viável. Há também muita violência, questionamentos sobre misoginia, solidão… Cada personagem carrega feridas e muita dor.
Sílvia Buarque –
Meu pai usa o termo “dormir bem”. Ele diz: quando um filme dorme bem, uma peça dorme bem, um espetáculo dorme bem. E ele comentou que esse filme dorme bem. Isso porque tem tanta coisa que a gente assiste e depois nem fala mais. Com este filme, acordamos e ainda lembramos.
Seguimos personagens que viajam para um lugar onde viveram para descobrir quem são. Quão importante é olhar para o passado ao traçarmos um caminho para o futuro?
Petrus Cariry –
O primeiro rascunho do filme foi feito em 2017. Era um filme sobre esses personagens que voltaram do Sudeste para o Nordeste e se encontraram por acaso em busca dessa cidade que não existia mais. Eles tentaram encontrar suas memórias e suas raízes. E o filme ficou denso por questões extra-roteiro. O país estava em ruínas, a Dilma estava sofrendo impeachment e aí entrou o governo Bolsonaro. Logo depois, a Covid veio também. Esses fatos criaram esta grande alegoria da busca por um lugar que não existe além da nossa memória. Aquela criança que surge do nada funciona como uma espécie de presente divino. Eles formam uma família improvisada, dando esperança para um futuro possível.
Fátima é uma pessoa que sofreu muito: foi abandonada pelo marido e mora sozinha. Mesmo assim, ela é resiliente, não perdeu a fé na vida e está disposta a ajudar. Você acha que as brasileiras são um pouco Fátima?
Sílvia Buarque –
Posso fazer esse paralelo com as mulheres. Não necessariamente apenas as mulheres brasileiras. Ela possui características de irmandade altamente femininas, principalmente com Tereza. A maternidade está muito latente nela. Ela é a provedora que dá o leite. Isso é algo que existe nas mulheres que todas nós somos, de qualquer época, sempre fomos assim. Tem o fato de ela ainda estar ligada a um homem – ela tem um buraco enorme por ter sido abandonada. Então a gente discute esse machismo na sociedade que a gente sofre.
Este filme tem poucos diálogos e se passa em silêncio. Os personagens sabem pouco um do outro. Para você, como foi construir a narrativa a partir dessas ausências?
Matheus Nachtergaele –
Sim, todo este filme é baseado em ausências. Os personagens voltam para um lugar que não existe mais. Eles não voltam para casa. Eles voltam para uma casa que não existe mais. Reúne diálogos sucintos e poéticos com ótimas imagens cinematográficas. Pinturas únicas, de fato. Para contar essa fábula que conta um pouco sobre nós mesmos em plena pandemia. Retornando a qualquer desejo depois da pandemia e do fascismo. Essa tentativa de querer algo novamente.
Então são personagens que se constroem a partir do realismo poético que aborda duas pessoas simples. Ele é paulista, ela é nordestina de Jaguaribara. Os dois precisam encontrar coragem para recomeçar até que um dia encontrem o bebê. E o bebê é o futuro. Eles vão receber o bebê ou não? Eles darão água e sombra ao bebê? Você vai amamentar? Você vai formar uma família? É necessário constituir família? Existe amizade genuína? Todas essas coisas são sentidas, pensadas, procuradas neste filme que não tem muito final. Este filme é a própria estrada e é um pouco como éramos quando foi feito. Todo mundo sentindo, quadro a quadro, plano a plano: Que profissão maluca. Que magia maravilhosa. Isso é inútil? Onde eu me encontrei? Que andar é esse? O filme é uma pergunta. É um filme que sacia o espectador a cada quadro. Não é para satisfazer o espectador com uma pequena história contada.
Ana Luísa Rios –
É um filme sobre esses buracos, essas ausências. Sobre coisas que não se realizam. Assim como no próprio Brasil. A cada momento há um novo nó. E quando tentamos desfazer o nó, há outro nó por trás dele. É um enorme engano social. O filme surge não como uma denúncia, mas como um caminho mais poético. Revelamo-nos no silêncio porque é muito difícil suportar o silêncio. Queremos dizer algo em breve para tentar resolver isso. E então, quando ficamos em silêncio, temos que suportar esse desconforto de simplesmente estarmos presentes. Ele tensiona a realidade num lugar que vai em direção ao fantástico. Nesse sentido, acho que redobra a coragem do filme.
Antônio tem uma fala que diz: “A gente tem essa coisa de querer voltar para onde já foi feliz”. Se você pudesse escolher, para onde voltaria?
Matheus Nachtergaele –
Pensei em responder que voltaria ao ventre de minha mãe, que foi o único tempo que estive com ela. Mas aí resolvi ser mais otimista e dizer que voltaria aos primeiros momentos de treino na escola. teatro
. Quando tudo estava chegando e eu estava apenas preparando o terreno – sem saber realmente o que era a vida.
Ana Luísa Rios –
Vai parecer combinado: pensei em coisas da minha infância e em situações boas, mas há uma sintonia com Matheus em relação ao teatro. Sou uma atriz que vem do grupo de teatro. Foi aí que comecei. E o cinema está nos roubando um pouco. Mas estou cada vez mais ansioso para voltar a este encontro no palco.