Ó Dia Internacional das Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas
, comemorado anualmente no dia 25 de julho, serve como farol de luta e resistência contra as desigualdades raciais e de gênero que permeiam a sociedade. Mais do que uma data comemorativa, este dia é um convite à reflexão sobre a trajetória histórica das mulheres negras na região e as demandas que ainda precisam ser implementadas para alcançar a plena equidade.
Esta data não apenas celebra a luta e as conquistas das mulheres negras em toda a América Latina e Caribe, mas também presta homenagem a uma das figuras mais importantes da resistência negra e indígena no Brasil colonial: Teresa de Benguela
.
Quem foi Tereza de Benguela?
Tereza de Benguela viveu no século XVIII e tornou-se figura central na resistência contra a escravidão no Brasil. Líder de um quilombo localizado no atual estado de Mato Grosso, Tereza liderou uma comunidade de negros e indígenas que resistiu bravamente à opressão colonial por quase duas décadas, após a morte de seu marido, o líder do quilombo, José Piolho.
Sob sua liderança, o Quilombo do Quariterê tornou-se exemplo de organização e autossuficiência, desenvolvendo um sistema de governança próprio, com conselhos deliberativos e práticas democráticas. Além de garantir a liberdade de seu povo, Tereza também estabeleceu alianças estratégicas e defendeu seu quilombo de diversas incursões de colonizadores.
De acordo com o trabalho
Enciclopédia Negra: Biografias Afro-Brasileiras
, de Flávio dos Santos Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz, em meados do século XVIII – mais precisamente em 1748 – já existem registros do quilombo Quariterê. “Cresceu em tamanho e população, e formou mais de um núcleo, atraindo expedições punitivas das autoridades coloniais. Visto como uma ameaça, foi atacado, mas ressurgiu. Em 1770, porém, ocorreu uma grande expedição punitiva e Quariterê foi considerado extinto.”
Ainda segundo informações da Enciclopédia, há descrições detalhadas sobre a estrutura e organização do quilombo, o que revelaria a figura de Tereza. Neste quilombo já havia existido um rei, que havia morrido, e quem então governava era a “Rainha Viúva Tereza”. Detalhes deste reinado mencionam um parlamento presidido pelo Capitão-Mor José Carvalho [ou José Cavalo] e um certo José Piolho era conselheiro da rainha”. Na verdade, tal quilombo também seria chamado de quilombo Piolho, talvez sugerindo que existia mais de um mocambo e diversas estruturas de poder, economia e proteção militar, todas interligadas.
Em outros registros, sem necessariamente mencionar Tereza e seu reinado anterior, o bandeirante Francisco Pedro de Melo disse que o Quilombo de Quariterê havia sido “atacado e destruído há 25 anos”, porém muitos escravizados resistiram e permaneceram escondidos nas áreas vizinhas.
Assim, os quilombolas remanescentes de Quariteré passaram por uma reinvenção étnica ao lado dos grupos indígenas do Mato Grosso colonial. Os sobreviventes do reino de Tereza de Benguela foram regentes, padres, médicos, pais e avós do pequeno povo que formava o atual quilombo. No final do século XVIII, esse quilombo ressurgiu com vigor e originalidade, formado por uma população de africanos mais velhos e indígenas mais jovens.
Tereza foi uma líder proeminente na resistência à escravatura, desafiando não só o sistema colonial, mas também as normas de género do seu tempo. Sob seu comando, o Quilombo do Quariterê tornou-se um espaço de verdadeira resistência cultural.
Raízes de um movimento: a busca pelo nosso próprio espaço
A criação do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha em 1992 está entrelaçada com o contexto histórico da ascensão dos movimentos feministas e negros nas décadas de 1970 e 1980. Bianca Santana
, jornalista, escritora, professora e Diretora Executiva da Casa Sueli Carneiro, contextualiza: “Havia necessidade de um espaço de auto-organização. Porque no feminismo eles tiveram que lidar com o racismo das mulheres brancas. E no movimento negro eles tiveram que lidar com o machismo dos homens negros.”
Inspirado no 1º Encontro Nacional de Mulheres Negras do Brasil em 1988, o encontro de mulheres negras latino-americanas e caribenhas em Santo Domingo, na República Dominicana, em 1992, marcou a oficialização da data. Desde então, o dia 25 de julho tornou-se um símbolo de unidade e de luta pelo reconhecimento das mulheres negras em toda a América Latina e Caribe.
O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha não se limita a uma data simbólica. Sua importância está no impacto que gera nas políticas públicas e no debate social sobre a situação das mulheres negras na região.
Como destaca Bianca, “a data marca na agenda pública a necessidade de pensar as diferenças e também as especificidades das mulheres negras”. Através da visibilidade proporcionada pela data, são destacadas as desigualdades enfrentadas pelo grupo em áreas como educação, saúde, trabalho e segurança pública, impulsionando a formulação de políticas públicas mais direcionadas e eficazes.
Nas últimas décadas, a América Latina e o Caribe testemunharam avanços significativos na luta pelos direitos das mulheres negras. A implementação de políticas como as cotas raciais nas universidades brasileiras é um exemplo claro do impacto transformador dessas mobilizações sociais. Porém, ainda existem muitos desafios a serem superados e a luta está longe de terminar.
Apesar das conquistas, problemas como o feminicídio, a violência policial e a discriminação racial continuam a impactar gravemente a vida das mulheres negras, exigindo ações firmes e contínuas. De acordo com Instituto Ethos
apenas 4,7% dos cargos de liderança nas 500 maiores empresas do Brasil são ocupados por negros, número que revela a persistente desigualdade no ambiente corporativo.
Dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) mostram que, no primeiro trimestre de 2023, o salário médio das mulheres negras no Brasil era de R$ 1.948. Isto representa apenas 48% do que ganham os homens brancos, 62% dos rendimentos das mulheres brancas e 80% dos rendimentos dos homens negros.
Além disso, a população negra no Brasil enfrenta dificuldades significativas no acesso à saúde, de acordo com a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN). Pessoas pretas (11,9%) e pardas (11,4%) relatam sentir discriminação nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). As mulheres negras, em particular, enfrentam taxas mais elevadas de mortalidade materna e violência obstétrica.
Liderança inspiradora: guiando o caminho para a equidade
O movimento de mulheres negras na América Latina e no Caribe é formado por diversas líderes inspiradoras que dedicam suas vidas à luta pela justiça e pela igualdade. Dentre elas, destaca-se Sueli Carneiro, referência intelectual e ativista brasileira.
Outras figuras importantes incluem Lélia Gonzalez, Maria Beatriz Nascimento, Luiza Bairros, Nilma Bentes, Zélia Amador, Mônica de Oliveira, Wanda Menezes, Vânia Santana, Ingrid Faria, Maíra Vida, Ìyá Sandrali, Winnie Bueno, Iêda Leal e Zezé Menezes.
No centro das reivindicações do Dia Internacional das Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas está o conceito de “viver bem”. Esta proposta vai além da simples procura de melhores condições de vida, defendendo um modelo social que reconheça e valorize a diversidade cultural, a ancestralidade africana e a sustentabilidade ambiental.
Como afirma Bianca Santana, “o bem viver é a principal reivindicação do movimento de mulheres negras hoje”. Esta visão holística da vida traduz-se em exigências de políticas públicas que garantam o acesso à educação de qualidade, à saúde integral, ao trabalho digno, à habitação adequada, à segurança pública e à participação política efectiva.
O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha é um chamado à ação individual e coletiva. É um momento de celebrar as conquistas alcançadas, reconhecer as lutas ainda em curso e reforçar o compromisso com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária para todas as mulheres.
Honrar a memória das mulheres negras que vieram antes de nós e unir forças com os líderes atuais é fundamental para construir um futuro onde o racismo e o sexismo sejam