As disparidades de gênero na aposentadoria são um tema de debate crescente no Brasil, onde as mulheres se aposentam mais cedo do que os homens, principalmente devido à jornada dupla de trabalho e outras condições desfavoráveis. A situação é ainda mais complicada para as pessoas trans, que enfrentam desafios adicionais num sistema de pensões com um viés binário.
Embora haja avanços na legislação, como o reconhecimento das uniões do mesmo sexo e o direito à mudança de género, a falta de regulamentação inclusiva ainda obriga muitos a recorrer aos tribunais para garantir os seus direitos à segurança social.
O sistema previdenciário ainda tem um desenho binário, ou seja, homem e mulher, dificultando o acesso à aposentadoria de algumas pessoas, cujos direitos, em tese, deveriam ser garantidos de acordo com sua autoidentificação.
Além disso, é importante destacar a complexidade enfrentada pelos legisladores brasileiros na definição de determinadas normas, devido às significativas questões sociais presentes no país, algo menos comum nas nações desenvolvidas. Em muitos destes países, não há distinção nas regras de reforma, com homens e mulheres reformando-se com a mesma idade.
Segundo a advogada especialista em Direito Previdenciário Elizangela Pimentel Alves, as normas previdenciárias para pessoas trans precisam considerar o sexo com o qual se identificam, e não o seu gênero biológico. Para solicitar a aposentadoria no INSS, é aconselhável que a pessoa trans altere primeiro o nome e o gênero no registro civil. Além disso, você deve atualizar esses dados em outros documentos públicos, como carteira de trabalho, CPF, RG e cadastro profissional, entre outros.
Ajuda
Na Justiça, alguns casos podem servir de jurisprudência para garantir o direito do requerente. De acordo com o Decreto Presidencial nº 8.727/06 e a Resolução CNJ nº 270/2018, é garantido o uso do nome social e o reconhecimento de gênero de travestis e transexuais no âmbito da Administração Pública Direta. Isto introduz uma possibilidade na luta pela igualdade social neste grupo de pessoas.
O Dispositivo CNJ nº 73 de 2018 garante o registro da mudança de nome e gênero nos registros de nascimento e casamento de pessoas trans no Registro Civil de Pessoas Físicas. A Resolução 175 também autoriza a celebração do casamento civil e da união estável de pessoas do mesmo sexo.
Assim, a Previdência Social abrange a Assistência Social, a Saúde e a Previdência Social, sendo um direito garantido pela nossa Constituição. Este direito garante a protecção da segurança social e a dignidade social não só para homens e mulheres, mas para toda a sociedade, incluindo todas as identidades de género. Isso pode ajudar na hora de solicitar a aposentadoria de acordo com sua identidade de gênero.
Precedente
A 3ª Turma Recursal da Seção Judiciária do Ceará reconheceu o direito da mulher trans se aposentar como professora, aplicando as regras para pessoas do sexo feminino durante todo o período trabalhado. O INSS argumentou que as regras de aposentadoria para mulheres não poderiam ser aplicadas a todo o período trabalhado, pois a mudança de gênero no registro civil só ocorreu em 2020. Porém, a decisão unânime determinou que a regra deve abranger todo o tempo trabalhado.
A decisão destacou que uma pessoa, independentemente das características biológicas ao nascer, tem o direito fundamental de se identificar como mulher ou homem. A decisão citou precedentes do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e dos Princípios de Yogyakarta, enfatizando que a identidade de género deve ser respeitada e protegida pelo Estado.
A Câmara de Recurso destacou que a alteração do nome e do género no registo civil é uma formalização de uma realidade já vivida pela pessoa, e que os agentes do Estado devem prevenir fraudes e abusos, mas esta responsabilidade deve ser comprovada pelo Estado. No caso em questão, o INSS apresentou argumentos apenas em nível recursal, não conseguindo comprovar fraude ou abuso. A decisão foi unânime, com a participação dos juízes federais Júlio Coelho e André Dias Fernandes.