Você já deve ter se deparado com um dos vídeos virais recentes na internet: o vídeo de agradecimento sem voz da modelo e apresentadora Maya Massafera. Os seguidores já contabilizaram: sete beijos com a mão direita, seis beijos com as duas mãos, oito corações com as unhas batendo e um último beijo com as duas mãos.
O vídeo, que virou meme nas redes sociais e foi reproduzido até pela própria Maya, estourou depois que a influenciadora não mostrou como está sua voz desde que passou por cirurgias de afirmação de gênero. Mas isso tem um motivo já explicado pela modelo: a disforia vocal.
A fonoaudióloga Karla Tolentino explica que a disforia vocal “é um quadro em que a pessoa sente desconforto ou insatisfação com a própria voz”. No caso das pessoas trans, a condição pode “muitas vezes manifestar-se através da não identificação entre a voz percebida e a identidade de género, muitas vezes levando ao sofrimento emocional e potencialmente causando atrasos no processo de transição”.
A desconexão com a voz pode fazer com que as pessoas trans não reconheçam sua voz como apropriada. Isso faz com que a comunicação da pessoa fique prejudicada, pois ela tende a se privar de falar em público devido à incongruência entre sua voz e sua identidade de gênero. “Quando ocorre a disforia, muitas pessoas podem sofrer de baixa autoestima, privar-se de interações interpessoais, adquirir ansiedade e fobias sociais, além de depressão e risco de automutilação”, explica Karla.
A voz como percepção de gênero
Segundo a especialista, a voz é um dos principais pontos levados em consideração na identificação de um gênero na sociedade. Mesmo que a pessoa não esteja presente visualmente, como em uma ligação telefônica, um sujeito consegue inferir e atribuir um gênero a outro sujeito por meio da fala: “Então, quando uma pessoa trans percebe uma convergência entre a voz que emite e a voz esperada do gênero com o qual se identifica, criam-se sentimentos de aceitação, reconhecimento social e autoconfiança”, explica Karla.
O fonoaudiólogo João Lopes complementa: “Muitas mulheres trans buscam o tratamento vocal, seja por meio de cirurgia ou fonoaudiologia, para se adaptarem aos padrões cisnormativos de gênero e adquirirem características que tragam uma identidade social, ou seja, passabilidade. destas mulheres na sociedade e o reconhecimento público da nova qualidade da sua voz.”
Tratamento de disforia vocal
João ressalta que o tratamento da disforia vocal deve, antes de tudo, ser acompanhado por um psiquiatra e um psicólogo. “A fonoaudiologia por si só não é suficiente para curar a disforia vocal”.
Especialistas explicam que existe a falsa impressão de que para uma voz ser masculina ou feminina basta apenas uma frequência específica, seja ela mais grave ou mais aguda.
“Inicialmente são realizados exercícios vocais para aumentar a flexibilidade e o alcance das notas agudas, proporcionando uma voz mais adequada. Na segunda parte do tratamento é trabalhada a prosódia, ou seja, a comunicação como um todo. , expressões faciais e postura Todos esses aspectos contribuem para que a voz tenha maior relação com a identidade de gênero da pessoa”, afirma João.
Porém, Karla ressalta que mesmo na realização da terapia fonoaudiológica, a estrutura anatômica do paciente pode ser um fator que impede o sucesso total. “Quando ocorre essa situação, o ideal é que haja uma conversa entre paciente, fonoaudiólogo e cirurgião para chegar a um consenso e indicar a cirurgia”.
Entre as técnicas que visam deixar a voz mais aguda estão a redução da área vibratória da prega vocal, responsável pela emissão do som, e a cirurgia em que o médico atua na cartilagem tireoide para obter o resultado.
João ressalta que, mesmo sendo um procedimento mais invasivo como a cirurgia, é necessário um acompanhamento pré e pós-cirúrgico para que o resultado seja mais eficaz.
Caso Maya Massafera
No X, antigo Twitter, Maya lamentou recentemente uma ameaça de expor sua voz: “Espero que isso seja mentira! Aprendi a participar da diversão e até acho engraçado. Mas eu tenho disforia vocal e não é questão de gostar. É questão de chorar, de se sentir mal, de não querer sair de casa. E se for verdade, essa pessoa pagaria por um crime.”
A apresentadora voltou a falar sobre o assunto em seu perfil no Instagram: “Me falem que é mentira, gente… Isso é muito sério”. Ela disse ainda que não é a primeira vez que passa por esse tipo de situação: “Isso já aconteceu uma vez. Foi numa altura em que ainda não tinha aceitado a minha transição. Era um hospital que eu tinha ido. A Justiça resolveu e contei com a ajuda do hospital para identificar a pessoa”, disse ela. “Há muitas pessoas más neste mundo. Infelizmente. O crime tem que ser tratado como crime. Minha vida e minha saúde física e mental não são brincadeira e não estão à venda”, acrescentou Massafera.