Por volta das três e meia da tarde do dia 21 de agosto, o escritor Marcelo Rubens Paiva conectado a Mensageiro em sua casa, em São Paulo, para entrevistar Luís Fernando Veríssimo em Porto Alegre. Dias antes, o cronista gaúcho havia pedido à filha que instalasse o programa de mensagens e explicasse como funcionava. Não que o chat pela internet lhe fosse completamente estranho: em julho deste ano, sua participação no chat promovido pela Bravo! durante o Festival Literário Internacional de Paraty (Flip) Foi um sucesso – alguns leitores notaram que o tímido escritor parecia remotamente menos tímido. Foi daí que surgiu a ideia desta entrevista.
Em pouco mais de uma hora de conversa, os dois conversaram sobre assuntos tão variados quanto os do novo livro de Muito verdade , O mundo é bárbaro que reúne crônicas publicadas na imprensa sobre temas contemporâneos. Na atmosfera de bate-papo de Mensageiro falou sobre taxas do Academia Brasileira de Letras política, China, Olimpíadas (então em pleno andamento) e, claro, futebol. Na véspera, o Internacional de Porto Alegre havia vencido o Palmeiras por 4 a 1 pelo Campeonato Brasileiro, no Beira-Rio — fato que não passou despercebido, naturalmente, a Veríssimo, do Colorado, e a Marcelo, do Corinthians. Abaixo estão os principais trechos da entrevista.
Marcelo Rubens Paiva : Ok, estou online.
Luís Fernando Muito verdade : O fotógrafo já está aqui procurando um ângulo mais inteligente. Eu não acho que ele vai encontrar.
Marcelo : Bela vitória ontem, Luis. Além disso, compraram metade do Corinthians.
Muito verdade : Acho que um corintiano conhece a emoção de fazer quatro gols no Palmeiras. Pelo menos nisso somos compadres.
Marcelo : Vamos fingir que somos intelectuais, digamos coisas inteligentes. Você não está absolutamente se candidatando a uma cátedra na Academia Brasileira de Letras?
Muito verdade : Me perguntaram isso e respondi que não tenho nem corpo de trabalho que mereça a honra de estar na academia, nem físico para o uniforme. Ainda mais do que ( Escritor gaúcho ) Moacyr Scliar me disse que a gente não fica com espada, é só para fotografia. Mas a academia melhorou depois que parou de aceitar generais e celebridades.
Marcelo : Li que eles ganham R$ 15 mil por mês e R$ 1,5 mil de jeton por sessão. Tentador, não? Você é um escritor rico?
Muito verdade : Não. Acho que, fora as exceções óbvias, ninguém Você ainda pode viver de livros no Brasil. Dependo do jornalismo e de correlatos ocasionais para o uísque infantil.
Marcelo : Whisky para filhos e netos. Você estava mais feliz com a chegada da sua neta ou com o campeão mundial Inter?
Muito verdade : São emoções diferentes… Ser avô é realmente uma sensação fantástica. Ainda mais porque a neta é simpática, inteligente, culta — e nasceu exatamente no dia do aniversário do Inter. Acho que ela planejou isso.
Marcelo : O seu novo livro é uma coletânea de crônicas escolhidas novamente pela nossa grande e sexy editora, Isa Pessoa?
Muito verdade : A ideia do livro foi de Lucia Riff ( Ve agente rissimo ), que também é grande e sexy. Isa ( da editora Objetiva ) abraçou a ideia e escolheu as crônicas e o título.
Marcelo : Crônicas publicadas em Estadão e Globo ?
Muito verdade : Estadão , Zero Hora e o Globo e distribuído pela Agência Globo para outros jornais, não sei quantos. Em geral, crônicas mais “sérias”, se é que essa é a palavra, do que as dos outros livros.
Marcelo : É uma coleção mais niilista, sobre o futuro e a falta de identidade brasileira. Efeito do subsídio mensal?
Muito verdade : Não sei, sou menos pessimista do que escrevo. Na verdade, sou uma pessoa ingênua disfarçada. No livro falo muito sobre a China, que um dia, como escrevi, tornará o resto do mundo supérfluo. Mas prefiro o pensamento otimista: quando isso acontecer estarei morto.
Marcelo : Não vai ter nada, porque os chineses vão cloná-lo e vai ter um Luis Fernando Verissimo de olhos puxados. Você ainda é um homem de esquerda, como pode ver em suas crônicas. Você acha que Lula criou um governo digno?
Muito verdade : Acho que ser de esquerda hoje significa não ser de direita. O que não é tão óbvio quanto parece. Acho que o PT no governo é, em termos de economia, o PSDB barbudo, mas a distribuição de renda, que está melhorando, é o grande diferencial, e a grande conquista do governo Lula. Isso compensa todo o resto, a corrupção, etc.? Não sei. Mas o governo Lula está fazendo a diferença. Eu disse que era ingênuo.
Marcelo : Na crônica Fora Pessoas você sugere uma piada: que nossa elite é melhor que o povo, que deveria ser terceirizada. A elite brasileira não merece o povo que tem?
Muito verdade : A crônica é um comentário sobre um estudo que apareceu, mais ou menos chamando a elite brasileira de injusta. Que temos um povo melhor que a elite, acho que não há dúvida. Isso também merece uma elite melhor. Toda a história do Brasil é um registro dessa elite.
Marcelo : Voltando ao papo espertinho, por que Jade, Diego e a gaúcha Daiane dos Santos tremeram nas Olimpíadas? É verdade que, no momento certo, o atleta brasileiro enlouquece? Apesar da tenepes, temos complexo de inferioridade?
Muito verdade : Sim, dizem que falta uma política de incentivo ao esporte e também de equilíbrio emocional para nossos atletas. Mas devo confessar que simpatizo com o desequilíbrio emocional. Acho que deveria haver medalha para o melhor choro, o melhor beijo para os familiares, o perdedor mais patético, etc. Tirando o saltador com vara russo, que chorou como um brasileiro, os frios ganharam quase tudo.
Marcelo : Dizem que o brasileiro não consegue vencer no salto com vara porque tem bunda grande.
Muito verdade : E o que preferimos, um bundão ou um campeão de salto com vara?
Marcelo : Você prefere Sharapova ( Maria Sharapova, tenista russa ) ou ainda é obcecado pela Luana?
Muito verdade : O bom dos tenistas russos é que sempre aparece um novo e mais bonito. É uma veia inesgotável.
Marcelo : E Luana?
Muito verdade : Meu sentimento por Luana Piovani é avuncular.
Marcelo : Existe uma cura para isso?
Muito verdade : Eu nunca soube realmente o que isso significa, mas é um sentimento sincero e nunca irá além disso. Até ela ligar, é claro.
Marcelo : Você sente essas coisas complicadas em relação às mulheres ou é um cara quieto?
Muito verdade : Sou tão sério que ainda uso o termo “careta”. Nasci assim e piorou com a idade.
Marcelo : Você lê Philip Roth?
Muito verdade : Li muito Philip Roth, mas não seus últimos livros. Na verdade, não li ninguém.
Marcelo : Por que não?
Muito verdade : Bons momentos em que passava as noites lendo e lia tudo. Hoje perco muito tempo com jornais e revistas, livros de história e ensaios. Você sabe que está envelhecendo quando começa a ler mais crítica literária do que literatura .
Marcelo : Cruzes, e o que você aprende lendo crítica literária?
Muito verdade : Sim, apenas ler críticas é como assistir a um filme pornográfico em vez de fazer sexo.
Marcelo : Qual crítica literária você recomenda?
Muito verdade : No Brasil, ainda, Antonio Candido. Infelizmente ninguém o substituiu. George Stainer é bom, Edward Said, alguns ingleses como Terry Eagleton, o italiano Franco Moretti, Leslie Fiedler.
Marcelo : É verdade que esta é sua primeira vez no Messenger? E blog, você lê?
Muito verdade : Sim. Fernanda, minha filha, teve que me ensinar como funciona. Resistirei até o fim (o meu) contra os celulares e esses mistérios da internet.
Marcelo : Você nem muda de e-mail?
Muito verdade : E-mail, sim. E Google. Fora isso, sou completamente inocente.
Marcelo : Você assiste televisão?
Muito verdade : Assisto mais TV a cabo. Estou sempre procurando por reprises de Seinfeld . Eu vejo Jornal Nacional e futebol.
Marcelo : Você ainda escreve as crônicas “dentro” do prazo?
Muito verdade : É um vício de jornalista. O pior é que acabamos escrevendo os romances também, quando o prazo está acabando. Sempre digo que a musa mais eficiente de um escritor é o prazo.
Marcelo : Você já passou em branco e teve que cancelar uma crônica?
Muito verdade : Bom, na época da censura eu tinha que ter uma crônica reserva sempre pronta para substituir aquela que não podia ser divulgada. Às vezes escrevíamos algo sabendo que não seria publicado, para desabafar, e enviávamos para outra pessoa, tratando do sexo dos anjos. Nesse sentido, tive vários cancelamentos. E o branco é um dos chamados ossos do ofício do escritor. Ossos brancos e claros. Dá muito.
Marcelo : Enfim, todo escritor que se preze tem que morar em Paris ou Porto Alegre basta?
Muito verdade : De preferência em Porto Alegre, uma das metrópoles do mundo, com pausas frequentes em Paris. Abraço
Marcelo : Outro, beijos para as mulheres da família