“Evocar
Fernanda Jovem
era como tentar capturar o vento numa garrafa. Sua essência, intensa e multifacetada, exigia mais do que pesquisas densas; Ela exigiu coragem para mergulhar em seu trabalho e descobrir o que estava escondido por trás de suas palavras afiadas, suas ironias cortantes, sua vulnerabilidade velada.
Cada sequência construída foi uma tomada de risco, onde a linha entre o real e o imaginário se confundiu, refletindo a própria natureza do escritor. Havia o desafio de permanecer fiel à sua verdade sem diluir a ousadia que a caracterizava. A narrativa, tal como o seu trabalho, precisava de ser irreverente, mas também profundamente humana, abordando questões que ela própria tantas vezes abordou com destemor e autenticidade.
A linguagem poética do filme tornou-se elemento central na tentativa de encapsular a essência de Fernanda Young. Em vez de seguir uma narrativa linear ou convencional, optamos por uma abordagem mais sensorial e evocativa, onde palavras, imagens e silêncios se entrelaçavam como versos de um poema. A faixa, brilhantemente composta por Flava Tygel,
movia-se com a leveza de um sussurro, ora ágil e frenético, ora lento e contemplativo, refletindo as nuances e contrastes presentes na personalidade de Fernanda.
A escolha das imagens foi resultado de uma busca visual que buscou revelar os múltiplos aspectos do escritor, obra que foi brilhantemente realizada por Clara Eyer, Ítalo Rocha
e Rebeca Moure
. Não se tratava apenas de ilustrar sua trajetória, mas de criar uma colagem visual que falasse de sua complexidade. Foram horas e horas imersos em arquivos, fotografias, desenhos, vídeos caseiros, entrevistas esquecidas, trechos de programas de TV e momentos pessoais que, até então, pertenciam apenas à intimidade da memória. Este foi um dos maiores desafios do filme, pois exigiu captar a alma de uma mulher que sempre recusou ser simplificada ou categorizada. As imagens precisavam transmitir a sua irreverência, a sua paixão, os seus medos e contradições, sem nunca cair na armadilha da superficialidade. Assim, o filme tornou-se um mosaico poético, onde cada fragmento visual se uniu para compor uma homenagem à vida e obra de Fernanda Young, refletindo a intensidade, a complexidade e a beleza indomável de quem ela era.
Cada imagem escolhida carregava um peso simbólico, como se fosse a palavra-chave de um poema. O literatura
que ela adorava, os cadernos rabiscados com suas ideias inquietas, tudo foi cuidadosamente entrelaçado para formar uma narrativa visual que não só contava, mas sentia. Tudo foi pensado para evocar as emoções que suas palavras muitas vezes expressavam de forma crua e direta.
O ritmo da montagem de Ítalo Rocha foi deliberadamente irregular, refletindo o caráter inconstante e surpreendente de sua personalidade. As transições não seguiram uma lógica convencional; em vez disso, foram guiados por associações intuitivas, por sentimentos, por ideias que surgiram e se dissolveram, criando uma estrutura que refletia a fluidez do pensamento de Fernanda.
A montagem foi pensada para dialogar com a linguagem poética de como a personagem retratada se expressava. Imagens e palavras se entrelaçam, muitas vezes complementando-se, outras vezes contrastando entre si, criando uma camada adicional de significado. Uma frase contundente de Fernanda pode ser seguida de uma imagem lírica, ou vice-versa, criando uma tensão que mantém o espectador constantemente alerta, navegando entre o intelecto e a emoção. A montagem do filme não buscou simplesmente narrar uma história, mas sim criar uma experiência sensorial e emocional que ressoasse na intensidade e autenticidade de Fernanda Young. Cada decisão de corte, cada escolha de ritmo, foi feita com a intenção de honrar sua memória de uma forma que refletisse não apenas quem ela era, mas como ela fazia o mundo parecer.
Durante o processo, as palavras que ela escreveu surgiram como um vulcão lançando larvas pelo roteiro do filme. Momentos de dúvida misturados com o reconhecimento da grandiosidade do que estava sendo feito, como se a própria Fernanda, em algum lugar entre aqui e ali, desafiasse cada escolha, cada corte, cada palavra dita ou omitida.
Produzir este documentário foi como andar na corda bamba, equilibrando a admiração com o respeito pela complexidade de uma mulher que nunca se rendeu à simplicidade. É preciso dizer que sem Alexandre Machado e Eugenia Ribas este filme nunca teria ganhado vida. Eles seguraram minha mão nos momentos mais difíceis e não me deixaram sozinho no caminho. Por fim, o maior desafio foi deixar o espírito livre de Fernanda Young voar pelas imagens, sem nunca ser totalmente capturado, pois ela, assim como o vento, não foi feita para ser contida.”