Para quem ainda não sabe, a NASA, uma das principais e mais prestigiadas agências espaciais do mundo, emprega profissionais de diversas áreas. Os mais procurados são os engenheiros, seguidos dos médicos, devido à sua atividade crucial. Durante a preparação para o voo na Rússia, um dos primeiros profissionais com quem tive contato foi meu médico, o tenente-coronel da Força Aérea Brasileira (FAB), Luiz Cláudio Luttis. Para realizar um voo espacial era necessário passar por um rigoroso treinamento físico para suportar os efeitos da ausência de peso e um acompanhamento médico constante para evitar os impactos do voo e a exposição mais intensa ao sol. Compreendo bem os desafios desta missão espacial e posso dizer o quanto valorizo a profissão médica.
Sabemos que a saúde é um assunto que afeta diretamente a nossa vida e interessa a toda a população. Recentemente realizamos um audiência pública
no Senado sobre a questão da qualidade dos médicos brasileiros e me interessei pelo assunto. Estudo recente do Conselho Federal de Medicina (CFM), “Demografia Médica 2024”,
mostra que o Brasil tem um dos maiores volumes de médicos do mundo, mais que Estados Unidos, China e Japão. São mais de 570 mil médicos, numa proporção de 2,8 médicos para cada mil habitantes. É um recorde que, à primeira vista, parece bom, mas pode representar um cenário arriscado, tendo em conta a criação indiscriminada de escolas médicas e a qualidade do ensino. Segundo a pesquisa, de 1990 até hoje, o número de médicos quadruplicou. E o número de escolas médicas quintuplicou. Quantidade não significa qualidade. Essa discrepância tornou a medicina precária. Isso fica evidente quando analisamos a distribuição desses médicos pelas regiões do país. Embora o Brasil tenha número suficiente de médicos, eles não estão nas regiões mais vulneráveis. O CFM diz ainda que, ao contrário do que afirma o atual governo, a abertura do curso de medicina nas regiões remotas do Norte e Nordeste não garante a permanência de todos os formandos na região. Os que permanecem ressentem-se da falta de investimento na área e das precárias condições de emprego.
Outro estudo, Radiografia de Faculdades de Medicina,
também do CFM, mostra que quase 80% dos 250 municípios que possuem faculdades de medicina não possuem as condições e critérios essenciais para o funcionamento do curso. São problemas como a insuficiência de leitos de internação, de equipes de Saúde da Família e de hospitais universitários.
Paralelamente a isso, um recente Decreto (nº 11.999 de 17/04/2024)
trouxe mudanças significativas na Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), impactando diretamente as profissões e especializações médicas. Tais mudanças implicam a substituição de resoluções técnicas por políticas de governo e não de Estado. Isto desagradou às classes médicas, levando seus representantes a emitirem notas conjuntas de repúdio. Do ponto de vista da residência médica, a Associação Médica Brasileira (AMB) e seus associados criticam a eliminação da exigência de que os membros indicados pelos ministérios para ingressar no CNRM sejam médicos. A questão levantada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) é que, com as mudanças, os interesses dos ministérios poderão prevalecer, superando as justificativas técnicas das entidades. Comprometendo, portanto, a autonomia e a imparcialidade essenciais num setor tão importante para a sociedade.
Isto pode ser utilizado para evitar exigências de qualidade na formação especializada em detrimento da vontade política. Na verdade, as decisões médicas devem ser tomadas por pessoas com competência aprovada. O título de especialista não deverá ser concedido a médicos que não tenham cumprido rigorosamente as exigências de cada programa oficial de residência médica estabelecido pelo MEC. As entidades informaram ainda que as alterações feitas pelo decreto foram realizadas de forma arbitrária e aumentaram significativamente o número de representantes governamentais em sua composição.
Concordo que a regulamentação da especialização médica é fundamental para garantir qualidade e excelência na assistência à saúde da população. É óbvio que todo este problema não interessa apenas aos médicos, mas também aos pacientes. Estamos falando da vida de milhões de pessoas que poderiam ser prejudicadas pela má conduta profissional de um médico. Você entraria em um avião onde o piloto estivesse voando pela primeira vez sem ter treinado na prática para isso? Eu também! Sou piloto de caça e sei da importância de realizar inúmeros treinamentos práticos e passar por avaliações técnicas e psicológicas periodicamente.
Na audiência pública que realizamos, ouvimos diversos especialistas e coletamos as principais denúncias do setor. Como resultado, apresentei o projeto de lei (2294/2024),
que institui o Exame Nacional de Proficiência em Medicina. A proposta visa garantir que apenas os médicos aprovados no exame possam se cadastrar nos Conselhos Regionais de Medicina. Este exame será organizado pelo Conselho Federal de Medicina e aplicado pelos Conselhos Regionais de Medicina. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) já realizam testes de proficiência. O teste avaliará as competências profissionais, éticas e clínicas para garantir que os médicos aprovados estejam bem preparados para exercer a medicina em toda a sua extensão. Dessa forma, evitamos erros de diagnóstico, prescrição ou conduta que poderiam gerar elevados custos sociais e danos irreversíveis aos pacientes. Com o aumento indiscriminado dos cursos de medicina, deixando os cursos vulneráveis às inspeções e exigências de qualidade, o projeto impulsionará a formação, mantendo um alto padrão de ensino.
Segundo especialistas ouvidos na audiência pública, o aumento indiscriminado de cursos médicos que não atendem aos padrões necessários pode comprometer a qualidade da formação médica. Esta situação é agravada pela falta de uma estratégia de avaliação nacional clara e eficaz por parte do Ministério da Educação. A expansão descontrolada poderia resultar em médicos sem formação adequada, colocando em risco a saúde da população. Este projeto visa reforçar o rigor na formação médica e manter um elevado padrão de ensino para garantir a proteção da sociedade.
A responsabilidade do profissional médico não se limita a um paciente, mas sim ao dever de contribuir com a saúde pública. Por isso a busca pelo aprimoramento e a exigência de normas técnicas são tão fundamentais. A jornada do aluno é longa, onde ele aprende as fragilidades e a resiliência das pessoas. Cada paciente é uma história.
A medicina é, sem dúvida, uma das profissões mais nobres, mas não só pela sua carreira, mas pela sua finalidade que vai além da habilidade técnica e do conhecimento científico. Os médicos têm a capacidade de salvar e transformar vidas. Do primeiro choro do bebê à luta pela manutenção da vida, os médicos fazem parte desses momentos importantes. São profissionais que cuidam, acalmam, confortam, tratam e dão esperança num simples esforço para equilibrar a ciência e a humanidade. É um compromisso que exige competência técnica, moral e ética. Mas também exige a beleza inegável de tocar a vida de uma forma única.
Entrevistei o médico Dr. César Fernandes, Presidente da Associação Médica Brasileira (AMB) e Professor Titular de Ginecologia do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) no Podcast Astropontes.
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