SEBASTIEN BOZON
Milhões de casos de demência podem ser evitados se agirmos sobre factores como o tabagismo e a poluição, de acordo com um grande estudo publicado pela The Lancet, embora os especialistas apontem que a prevenção não é a solução definitiva para a doença.
“A prevenção tem um grande potencial” contra a demência, resume este trabalho de síntese.
Milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de demência. A doença de Alzheimer é a mais conhecida e difundida destas patologias que degeneram, geralmente de forma irreversível, a memória ou a linguagem dos pacientes.
O estudo da Lancet, que reúne os conhecimentos mais recentes sobre o assunto, pretende ser uma referência. Segue um relatório anterior, publicado em 2020, que já enfatizava a importância da prevenção.
Na altura, os autores estimaram que 40% das demências estavam relacionadas com doze factores de risco, de natureza muito diversa: baixo nível educacional, problemas auditivos, tabagismo, obesidade, poluição atmosférica, depressão, isolamento, traumatismo cranioencefálico, hipertensão.
Agora, à luz das pesquisas mais recentes, acrescentam-se dois fatores: a perda de visão, que pode levar à cegueira, e os níveis elevados de colesterol.
No total, “quase metade das demências poderiam, teoricamente, ser evitadas eliminando estes 14 fatores de risco”, estimam os autores.
Esta ênfase na prevenção é necessária considerando que ainda não existe um tratamento farmacológico verdadeiramente eficaz contra a demência, apesar de décadas de investigação.
Dois tratamentos para a doença de Alzheimer foram aprovados nos Estados Unidos no ano passado: o lecanemab da Biogen e o donanemab da Eli Lilly.
Eles atuam combatendo a formação de placas amilóides no cérebro, considerada um dos principais mecanismos da doença. Mas os seus efeitos permanecem modestos à luz dos seus graves efeitos secundários e do elevado custo.
A União Europeia recusou-se na semana passada a autorizar o lecanemab, enquanto o donanemab continua sob revisão.
– Preste atenção na culpa –
Embora alguns investigadores esperem que estes medicamentos abram caminho para tratamentos mais eficazes, outros preferem investir na prevenção em vez de manterem esperanças ainda ilusórias de tratamento.
Combater os fatores de risco “seria muito mais vantajoso do que desenvolver tratamentos avançados que até agora se revelaram decepcionantes”, afirma o neurologista Masud Husain.
Em geral, o relatório da The Lancet foi bem recebido pelos neurologistas, entre os quais a importância da prevenção não gera muito debate.
Para alguns, a ideia de que metade da demência pode ser evitada com medidas preventivas deve ser posta em perspectiva.
Alguns pontos metodológicos do estudo são questionáveis. Em primeiro lugar, como os próprios autores reconhecem, não é possível afirmar com certeza que estes fatores de risco causem diretamente a demência.
Além disso, é difícil separar os fatores entre si, embora os autores tenham considerado este ponto nos seus cálculos. Por exemplo, depressão e isolamento, tabagismo e hipertensão estão intrinsecamente ligados.
Também parece difícil agir em relação a determinados factores porque o relatório mistura recomendações individuais (usar capacete ao andar de bicicleta) e recomendações colectivas, tais como melhorar o acesso à educação.
“Já temos programas de saúde pública para reduzir o tabagismo e a hipertensão: o que mais pode ser feito neste sentido”, questiona o neurologista Charles Marshall em declarações à AFP.
Por fim, alguns investigadores, sem contrariar as conclusões do The Lancet, alertam para uma interpretação errada que culparia alguns pacientes, sugerindo que são eles os responsáveis pela sua demência.
“É claro que muitas demências não poderiam ser evitadas”, lembra a neurologista Tara Spire Jones em declarações à AFP, apontando especialmente para a origem genética de muitas destas patologias.