Na semana passada, o Senado iniciou as discussões sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 03/2022, conhecida como PEC das Praias.
O objetivo do projeto é autorizar a venda de terrenos marítimos para empresas e pessoas físicas que já ocupam essas áreas.
Atualmente, as terras marinhas são zonas costeiras que se estendem desde 33 metros além do ponto mais alto atingido pela maré. Essas terras incluem a faixa localizada logo após a praia, onde é comum encontrar hotéis e bares.
De acordo com a legislação vigente, a União, proprietária dessas terras, permite que pessoas físicas e jurídicas utilizem e até mesmo transfiram essas terras para seus herdeiros. Porém, esses ocupantes devem pagar impostos específicos para usufruir dessas permissões.
Reportada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a PEC retira a costa brasileira do controle da Marinha, sendo repassada mediante pagamento a terceiros.
A PEC foi aprovada na Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022 e seguiu para o Senado.
No entanto, o projeto está parado na CCJ do Senado desde agosto de 2023. No dia 27 de maio, a PEC foi discutida em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
O caso ganhou grande repercussão depois que o jogador Neymar Jr e a atriz Luana Piovani trocaram farpas nas redes sociais sobre o projeto.
Mas afinal, Quais as reais consequências para os turistas caso a PEC seja aprovada?
A pesquisadora de turismo da Universidade de São Paulo, professora Dra. Mariana Aldrigui, conversou com o iG Turismo
e tirei algumas dúvidas.
1 – Como a PEC da privatização das praias pode afetar os preços das viagens?
“Assumindo que a PEC é um claro estímulo à especulação imobiliária, o que se pode deduzir é que haverá um aumento do preço dos terrenos, dos impostos e de outros custos relacionados com as operações em diferentes localidades, o que implica imediatamente um aumento nos preços de alojamento “, diz o estudioso. Porém, ela ressalta que se trata de uma suposição, já que não se sabe exatamente o que poderá acontecer.
2 – Como poderá esta medida afectar o acesso às praias dos turistas nacionais de todas as classes sociais?
“Embora haja uma afirmação enfática de que não haverá fechamento ou restrição de entrada nas faixas de areia, o que já é possível verificar em diferentes espaços do litoral brasileiro é uma inibição da presença de pessoas, principalmente as mais pobres, com segurança atuação de guardas ou mesmo intimidação em relação ao comércio ambulante, à presença de crianças, à prática de atividades esportivas, entre outros”, afirma.
Mariana continua: “Ressalta-se que as praias são a grande identidade do turismo brasileiro, são o nosso grande espaço de lazer coletivo e sem preconceito de origem. A praia livre, espaço de descanso, diversão, contemplação e compartilhamento de bons momentos é um dos os nossos bens turísticos mais valiosos e é simplesmente inaceitável que estejamos a discutir este tipo de propostas.”
3 – Existem benefícios para os turistas em termos de infraestrutura e segurança com as privatizações?
“Só é possível assumir que tais benefícios existem se assumirmos que a exclusão é algo aceitável. Naturalmente, se os diferentes níveis de governo não estiverem comprometidos com a manutenção da qualidade ambiental, da infra-estrutura e da segurança para residentes e visitantes, os empresários que trabalham no sector irão trabalhar para isso”, afirma o professor.
“E argumentar que os empresários são os únicos interessados no bom desenvolvimento do turismo é sinal de que: ou o turismo não é relevante (socioeconomicamente) para nenhum ente da federação; ou o turismo só é feito por quem tem muito de dinheiro disponível, o que, sabemos, não é verdade.”
4 – Como pode a privatização das praias afectar as economias locais que dependem do turismo de praia?
“Aqui a análise depende sempre do foco – em áreas onde se vislumbra a possibilidade de implementação de novos produtos, é possível pensar em efeitos positivos. Porém, são raros os espaços costeiros que ainda não estejam ocupados e com uma economia toda estruturada. os efeitos positivos são sempre mais fáceis, mas são poucas as estratégias já desenhadas para reposicionar pequenos negócios, vendedores ambulantes, moradores das áreas que serão alteradas. E aí veremos o efeito mais perverso do turismo: a melhoria para o visitante, expulsando. os visitantes.
5 – Ao final, espera-se que uma eventual privatização possa impactar no número de viagens realizadas para regiões litorâneas?
“Assumindo que serão construídos ou adaptados mais empreendimentos com vista à valorização do local, o que se entende é que haverá uma dispersão espacial com reorganização do uso, o que poderá levar a uma maior concentração de pessoas em zonas com produtos que atendem a diferentes padrões de consumo.”
“A sensação que tenho é de uma proliferação de áreas com ambições de elite, mas não há garantia de que isso não estimulará também episódios de animosidade (como #touristsgohome e #youarenotwelcome in Europe), violência dirigida a turistas, e outros episódios em reação. Reitero – o Brasil é fundamentalmente percebido como um destino de sol e praia, tanto para o turismo nacional quanto para o internacional, e esse movimento é completamente equivocado em todos os sentidos que posso analisar”, finaliza.