Menos é menos
Model 3 esbanja tecnologia e recursos, mas exagera no minimalismo dos controles
por Jorge Beher
Autocosmos.com/Chile
Exclusivo no Brasil para Auto Press
O desprezo de Elan Musk pelo Brasil não se limita apenas à legislação ou às decisões da Suprema Corte. Além das atitudes de um vilão megalomaníaco de um filme de James Bond, o magnata sul-africano nunca pareceu muito interessado em entrar no mercado automobilístico brasileiro. Tanto que não há sinal ou teste para que a Tesla tenha representação comercial no país, apesar de já ter modelos à venda em alguns países da América Latina.
Independentemente disso, o fabricante está indo bem. Em 2023, dois modelos ficaram entre os 10 mais vendidos no mundo. O crossover Model Y foi o líder geral, com 1,22 milhão de unidades (segue o RAV4, do mesmo tamanho, com 1,08 milhão. Em 10º lugar no ranking está o Model 3, com 500 mil exemplares, atrás do Toyota Camry, de dimensões semelhantes , que ficou em sexto lugar, com 650 mil unidades. No Chile, onde a Testa chegou no início do ano, o Model 3 logo se tornou líder entre os carros elétricos.
E isso tem uma explicação. Em vários países, a Tesla conseguiu construir uma imagem de marca que vai além do produto, como a Coca-Cola ou a Nike, nas devidas proporções. Ou seja: a Tesla vende mais porque é Tesla do que pela qualidade do seu produto. E nisso as excentricidades contribuem para a popularização de uma fabricante com tão poucos anos de história.
O Model 3 é um sedã esportivo de médio-grande porte para os padrões brasileiros e aqui enfrentaria concorrência direta do Selo BYD. Na verdade, em praticamente todos os mercados presentes, eles também têm preço semelhante, em torno de US$ 45 mil, ou cerca de R$ 250 mil. No Brasil, o Selo está cotado a R$ 299,8 mil.
O Model 3 tem 4,72 metros de comprimento, 2,09 m de largura, 1,44 m de altura e distância entre eixos de 2,88 m. O porta-malas traseiro comporta 506 litros enquanto o porta-malas dianteiro, chamado de frunk, acrescenta 88 litros à capacidade do carro. O Model 3 foi criado como uma alternativa menor ao Model S, que concorre com o BYD Han.
O sedã Tesla foi lançado em 2017 e recebeu sua primeira grande reforma no ano passado, com faróis mais finos e uma frente completamente lisa. No máximo, há uma entrada de ar inferior, um difusor traseiro, mas nada mais. As lanternas traseiras, o design do porta-malas e os emblemas também foram revisados, mas ainda é um sedã tecnicamente simples e com design fluido.
A falta de grade frontal deixa o modelo sem rosto. Parecem modelos com motor traseiro, como os Volkswagens do início dos anos 1970. Uma característica marcante é a silhueta esportiva, como um cupê de quatro portas. O facto de não possuir motor dianteiro permitiu-lhe atingir um coeficiente de penetração aerodinâmica muito baixo, de 0,219 Cx, graças ao nariz muito baixo e à cabine alongada.
Um último detalhe que chama a atenção são as superfícies envidraçadas. O para-brisa traseiro é enorme e vai até a metade do teto. Depois, há o teto solar e a abertura do para-brisa. Todos juntos e vistos de frente, deixam o Model 3 parecendo um único grande pedaço de vidro de frente para trás. No final das contas, o design é atemporal, futurista e minimalista, mas um pouco chato. E não há cromo: os logotipos são na cor alumínio e o restante é preto acetinado.
Existem duas maneiras de entrar no Tesla. A primeira é por meio de uma chave digital NFC no celular, que permite armazenar preferências, abrir porta-malas e portas. A outra é de um cartão de aproximação, que deve ser colocado sob a câmera na coluna central e depois depositado no carregador de celular por indução do console. Com este método, nenhuma preferência é salva e você precisa configurar o carro a cada entrada.
Com a atualização, o interior também trouxe mudanças. Com a escolha de materiais de melhor qualidade, um volante redesenhado sem hastes satélites – piscas e limpadores de para-brisa agora estão integrados ao volante. Agora, a iluminação ambiente pode ser configurada em diversas cores e o sistema de áudio conta com um segundo amplificador e mais alto-falantes. A qualidade gráfica da tela frontal de 15,4 polegadas melhorou e agora conta com borda fina.
A usabilidade interna também mudou. O console central também foi redesenhado e os compartimentos de armazenamento ficaram maiores e ganharam tampas deslizantes. Os bancos dianteiros agora são ventilados e os traseiros foram redesenhados para maior conforto, além da adição de uma tela de 8 polegadas com múltiplas funções de conforto e entretenimento. E há duas opções de acabamento: preto ou branco.
Tesla adota um conceito de minimalismo excessivo, que tem consequências positivas e negativas. Não há painel de instrumentos tradicional e todo monitoramento e controle são feitos pela tela central: engatar marchas, dar partida no carro, ajustar ar-condicionado, retrovisores e volante. Não há maçanetas: apenas os controles da janela e um botão para abrir a porta. Isso é um exagero, como deixou claro o recente caso de um motorista que deixou a bateria descarregar completamente e não conseguiu sair do carro.
O carro não possui Apple CarPlay, muito menos Android Auto, mas possui sistema de navegação baseado no Google Maps. Além do seu arsenal tecnológico, o Model 3 é muito confortável, com uma visão frontal muito boa, um volante de boas dimensões e um excelente isolamento acústico, graças aos vidros duplos. Os bancos traseiros melhoraram, mas ainda é um carro para quatro adultos ou dois adultos e três crianças. Um detalhe interessante é o modo pet do controle climático, para que o pet possa esperar pelo seu dono dentro do carro fechado.
Em termos de segurança, o Modelo 3 apresenta um sistema de direção semiautônoma de nível 2. O carro gerencia automaticamente a distância até o carro da frente e seu entorno e possui um modo experimental de mudança de faixa automatizada: ao ligar a seta e movimentar um pouco o volante, o carro passa para a próxima faixa, sempre monitorando o entorno.
O radar de obstáculos também impressiona. Não tanto pela detecção de carros, caminhões e pedestres, mas porque o nível de processamento é muito alto: enquanto qualquer marca mostra três ou quatro veículos, o Tesla mostra tudo, 20 carros se for preciso, cones, semáforos (com semáforos e tudo mais), motocicletas, pedestres e setas na estrada.
Impressões de condução
Sedã sem alma
O Model 3 testado foi o intermediário na versão Long Range – Dual Motor. Isso significa que ele conta com dois motores que somam 498 cv e 50,3 kgfm de torque, tração AWD, bateria de 75 kWh e autonomia de 629 km (no padrão InMetro, 440 km) com rodas de 19 polegadas. O sistema suporta cargas de até 250 kW – tipo de carregador que ainda nem existe no país, mas que em tese devolveria 200 km de autonomia em 15 minutos. Com este pacote, ele vai de zero a 100 km/h em 4,4 segundos, com velocidade máxima de 201 km/h.
Para dirigir o Tesla, existem dois modos: normal e relax, que é mais suave. O segundo ainda é muito diligente e inteligente para gerenciar a bateria no dia a dia. O modo normal pode ser muito reativo e você só precisa pisar um pouco no acelerador para sentir uma resposta violenta. Com 498 cv em mãos, a progressividade é uma boa qualidade. Isso é apenas 5 cv a menos que um BMW M3 Competition com tração xDrive.
Agora, é claro, o M3 é um carro esportivo natural, com freios, diferenciais, pneus e suspensão correspondentes, enquanto o Tesla Model 3 não é. O Modelo 3 não é um carro macio, mas é suave e não absurdamente ágil. A tração nas quatro rodas e o torque instantâneo ajudam muito, pois permitem realizar manobras muito mais animadas do que um carro normal de tamanho semelhante seria capaz.
Pela forma como se move, o Modelo 3 parece leve, mas não é. Em linha reta, é tremendamente previsível e fácil de modular. Nas curvas, é preciso prestar um pouco mais de atenção devido ao rolamento lateral. Os freios são potentes, já que a maior parte é feita pelo sistema regenerativo inteligente. Mas não é possível regular a regeneração como em outros bondes. Outro problema: o carro faz muito barulho nas ruas de paralelepípedos, com rangidos nos bancos traseiros, teto e portas – isso em um carro com apenas 5 mil km.
Em termos racionais, o Model 3 não é propriamente o melhor carro e muito menos o mais tradicional. O minimalismo excessivo pode até ser perigoso para quem não o conhece e também não é o carro mais comunicativo em termos de chassi, embora seja agradável de dirigir. Para os puristas, nada mais é do que uma máquina de lavar sobre rodas, um eletrodoméstico desprovido de emoção. Mas para os entusiastas da tecnologia, é o caminho do futuro.