As prefeituras desempenham papel central na promoção e proteção dos direitos da população LGBTQIA+, sendo muitas vezes a linha de frente na implementação de políticas públicas e programas voltados à diversidade e à inclusão. Às vésperas das eleições municipais de 2024, o Diadorim analisou a atuação de três prefeitos brasileiros candidatos à reeleição para entender como cada um tem abordado questões LGBTQIA+ em suas respectivas cidades: Belo Horizonte, Recife e São Paulo.
Em Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD-BH) implementou algumas políticas voltadas à população LGBTQIA+ durante sua gestão, incluindo a criação do Abrigo LGBTI+, mas ganhou fama de ceder à pressão conservadora após ter um adesivo de arco-íris retirado de sua fachada de um equipamento público.
O Recife, sob a liderança de João Campos (PSB-PE), avançou nas ações de inclusão, com destaque para a realização de eventos como os Jogos do Orgulho, mas o movimento LGBTQIA+ local ainda reclama da centralização de recursos.
Em São Paulo, a gestão de Ricardo Nunes (MDB-SP) também trabalhou em algumas ações pró-LGBTQIA+, mas foi “tímida” e não ofereceu inovação. Além disso, o prefeito enfrenta críticas por ter se mantido ausente da última Parada do Orgulho LGBT da cidade, conhecida por ser a maior do mundo.
Fuad Noman cedeu à pressão conservadora
Em 2020, Fuad Noman foi eleito vice-prefeito de Belo Horizonte, na chapa de Alexandre Kalil (PSD-BH), com uma votação impressionante: 1.109.634 votos, número que corresponde a 63,33% dos votos válidos. Após pouco mais de um ano no cargo, em março de 2022, Kalil renunciou ao cargo para concorrer ao governo de Minas Gerais, deixando Noman no comando da Prefeitura.
Desde então, houve um aumento no valor destinado à agenda LGBTQIA+ pelo município. Os valores reservados para políticas de promoção, proteção e defesa dos direitos dessa população foram de R$ 1.926.504,00 em 2022 e R$ 2.475.548,00 em 2023, conforme previsto na LOA (Lei Orçamentária Anual). Em 2020, ainda na gestão de Kalil, foi de R$ 996.011,00. Em 2021, R$ 1.041.767,00.
Agora, Noman busca a reeleição e tem 14% das intenções de voto, conforme aponta o DataFolha. Mauro Tramonte (Republicanos) mantém a liderança com 29%. Bruno Engler (PL) e Duda Salabert (PDT) estão empatados com Noman, com 12% e 13%, respectivamente.
PRINCIPAIS AÇÕES E POLÍTICAS PRÓ-LGBTQIA+ EM BELO HORIZONTE
CASA LGBTI+
Em dezembro de 2022, a administração de Noman abriu o Abrigo LGBTI+. Segundo a Prefeitura de Belo Horizonte, é o primeiro do Brasil totalmente financiado pelo poder público e tem capacidade para abrigar 20 pessoas. Desde sua inauguração em 2022 até maio de 2024, a casa recebeu um investimento total de R$ 1.561.071,50. Estão previstos investimentos de mais de R$ 3,77 milhões até maio de 2029. “Esse espaço tem como objetivo oferecer apoio e acolhimento específico à população LGBTI+, representando um avanço significativo na garantia de direitos e proteção a esse grupo”, afirma a organização.
COMISSÃO MUNICIPAL DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DE PESSOAS LGBTI+
Em 2023, a Prefeitura de Belo Horizonte criou uma comissão para incentivar a participação social da população LGBTQIA+ na política municipal, composta por quarenta pessoas, entre titulares e suplentes, 20 da sociedade civil e 20 representantes do governo. O órgão tem caráter consultivo e deliberativo, com competências para acompanhar, avaliar e propor programas, projetos e ações sobre o tema.
FUNDO MUNICIPAL
O Fundo Municipal do Idoso financiou a pesquisa “Envelhecimento LGBT+: histórias de vida e direitos”, em parceria com o Centro Jurídico da Diversidade Sexual e de Gênero da Universidade Federal de Minas Gerais. “O relatório, publicado em livro em 2023, contribui para a compreensão dos problemas enfrentados por essa população à medida que envelhece”, afirma a Câmara Municipal de Belo Horizonte. A equipe investigou 114 pessoas, que responderam a um questionário online, e realizou 75 entrevistas. No questionário, as informações buscadas foram perfil socioeconômico, raça, orientação sexual e identidade de gênero da pessoa. A natureza da violência e da discriminação vividas ao longo da vida e o acesso à habitação e aos cuidados de saúde também foram investigados. Nas entrevistas foram levantadas histórias sobre experiências familiares, comunitárias e profissionais, e como elas são afetadas pela sexualidade e identidade de gênero.
EVENTOS E APOIO
A prefeitura também patrocinou a primeira Parada Negra LGBT, realizada em maio de 2024, e aumentou o valor destinado à Parada LGBTQIA+ de Belo Horizonte, que recebeu R$ 350 mil em 2023 e R$ 670 mil em 2024.
Ações insuficientes
Apesar dessas ações, a avaliação de Dalcira Ferrão, psicóloga e ativista do Coletivo de Mulheres Bissexuais e Lésbicas Transsexuais e Cisgêneras, de Minas Gerais, é que a gestão de Fuad Noman ainda está aquém das necessidades e expectativas do movimento LGBTQIA+ na capital paulista. Minas Gerais.
Ela reconhece algumas iniciativas positivas, como a criação do Abrigo LGBTI+ e o apoio à Parada do Orgulho LGBTI+, mas ressalta que são insuficientes diante das reais necessidades dessa população, que carece de avanços em áreas como trabalho e renda, saúde integral e segurança. público.
Além disso, Dalcira menciona a retirada do símbolo do movimento LGBTQIA+ da fachada do Centro de Referência LGBTI+ como um sinal preocupante de regressão. No início deste ano, Noman pediu que um adesivo de arco-íris fosse removido da frente do prédio, cedendo à pressão dos vereadores conservadores.
Tendo esse histórico em mente, o representante do Coletivo BIL avalia que a reeleição de Noman não é a ideal, pois no passado o atual prefeito não demonstrou uma postura firme em relação às demandas da comunidade LGBTQIA+. Porém, ela ressalta que o cenário é delicado, já que seu principal adversário é ainda mais conservador.
“A esperança é que quem for eleito consiga se manter corajoso e combativo diante dos reveses impostos diariamente à população LGBTI+”, afirma.
Popularidade de João Campos
João Campos foi eleito prefeito do Recife em 2020, com 346.035 votos, 32,87% dos votos válidos. Agora ele é candidato à reeleição e tem chances de vencer no primeiro turno, segundo as pesquisas. O Datafolha aponta que ele tem 74% das intenções de voto, assumindo vantagem confortável na disputa.
Desde que se tornou prefeito, Campos aumentou em 611% o orçamento para políticas LGBTQIA+. Em 2018, ao final da gestão de Geraldo Julio (PSB), o valor destinado na LOA era de R$ 480 mil; em 2023 foram R$ 3,4 milhões. Entre as políticas implementadas durante sua gestão estão:
PRINCIPAIS AÇÕES E POLÍTICAS PRÓ-LGBTQIA+ NO RECIFE
PROTOCOLO DE SERVIÇO
Em fevereiro de 2023, a Prefeitura do Recife lançou um protocolo para capacitação de servidores públicos em questões de gênero e diversidade sexual. “Esta iniciativa visa melhorar o atendimento e abordagem à população LGBTQIA+ por parte dos agentes municipais”, explica a gestão.
GUIA DIGITAL PARA TURISTAS LGBTQIA+
Em agosto de 2021, Recife lançou um guia turístico virtual com 33 opções de serviços e estabelecimentos acolhedores para turistas LGBTQIA+. Esta foi uma ação promovida pela Secretaria de Turismo e Lazer com o objetivo de promover o turismo inclusivo na cidade.
JOGOS DO ORGULHO DO RECIFE
Desde outubro de 2021, a Secretaria Executiva da Juventude realiza anualmente os Jogos do Orgulho. O evento, que teve sua quarta edição em junho de 2024, promove a inclusão ativa de jovens LGBTQIA+ no esporte, exigindo que pelo menos 50% dos participantes sejam desse grupo.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA TRANS E TRAVESTIS
Em setembro de 2023, a prefeitura lançou edital para seleção de projetos voltados à formação profissional e empregabilidade de pessoas trans e travestis, buscando fortalecer a inclusão no mercado de trabalho.
EXPANSÃO DO AMBULATÓRIO LGBTQIA+
“As equipes técnicas de ambulatórios especializados, como o Ambulatório LGBT Patrícia Gomes e o Ambulatório LBT do Hospital da Mulher, foram ampliadas para melhor atender essa população”, afirma a entidade.SUPORTE PARA PARADAS
A direção da Campos informa que tem apoiado anualmente os desfiles da diversidade, oferecendo infraestrutura, atrações artísticas e apoio logístico.
Investimento insuficiente
Lucas Lira, advogado e ativista de direitos humanos que mora em Recife e preside o Conselho Estadual dos Direitos da População LGBTQIAPN+ de Pernambuco, reconhece que a gestão de Campos avançou, destacando a criação da Casa de Acolhimento LGBTQIA+ Roberta Nascimento e espaços para diálogo como o Conselho Municipal.
No entanto, ele ressalta que a centralização e a limitação de recursos são problemas significativos. Na visão do ativista, o investimento na agenda ainda é insuficiente para enfrentar a crescente onda de LGBTfobia e atingir todas as áreas da cidade, principalmente as periféricas.
Segundo Lira, iniciativas como a criação de um Plano Municipal e de uma Secretaria Executiva específica para a diversidade são necessárias para garantir uma melhor distribuição dos recursos.
O ativista avalia que Campos é um forte candidato à reeleição, e atribui parte da popularidade do prefeito a ter feito uma gestão inclusiva, mas ressalta que a continuidade e o aprimoramento das políticas são essenciais para manter e ampliar os ganhos já alcançados.
Em mais uma reportagem publicada pela DiadorimLira e Chopelly Santos, presidente da Amotrans (Articulação e Movimento de Travestis e Transexuais de Pernambuco), também reclamaram da ausência do prefeito em eventos LGBTQIA+, cobrando maior apoio público à agenda.
Nunes ignorou a maior Parada do Orgulho do mundo
Ricardo Nunes (MDB-SP) assumiu a Câmara Municipal de São Paulo em 2021, após a morte de Bruno Covas (PSDB-SP), de quem foi deputado. A chapa venceu as eleições municipais de 2020 com 1.295.218 votos. Agora ele é candidato à reeleição e, segundo a primeira pesquisa DataFolha realizada após o início do horário de votação, tem 22% das intenções de voto. Empatados, Guilherme Boulos (PSOL-SP) tem 23% e Pablo Marçal (PRTB-SP) tem 22%.
O Diadorim entrou em contato com a Prefeitura de São Paulo solicitando informações sobre as ações implementadas na gestão Nunes, mas não obteve resposta até a publicação deste texto. Estas foram as iniciativas mapeadas pelo relatório:
PRINCIPAIS AÇÕES E POLÍTICAS PRÓ-LGBTQIA+ EM SÃO PAULO
COORDENADOR DE POLÍTICA LGBTQIA+
Em 2021, foi criada a Coordenadoria de Políticas LGBTQIA+ dentro da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Este órgão é responsável por coordenar e implementar políticas voltadas à comunidade LGBTQIA+.
CENTRO DE REFERÊNCIA
Desde 2022, o centro oferece serviços especializados de apoio psicológico, jurídico e social para enfrentar desafios como a discriminação e a violência contra pessoas LGBT.
APOIO À PARADA
A gestão municipal apoiou a realização da Parada do Orgulho LGBTQIA+ em 2024, com R$ 4 milhões. No entanto, o prefeito não estava presente.
Administração ‘tímida’
Lucas Bulgarelli, diretor executivo do Instituto Matizes, destaca que, embora a gestão de Nunes tenha mantido e ampliado alguns serviços importantes para a população LGBTQIA+ de São Paulo, como o Centro de Referência e Cidadania, não houve inovações significativas.
Ele também destaca a ausência de Nunes na última Parada do Orgulho de São Paulo. “Foi um sinal claro de falta de compromisso. Enquanto outros candidatos participavam, Nunes esteve em um evento religioso no mesmo final de semana.”
Por isso, para o representante de Matizes, a reeleição de Nunes não seria positiva para avançá-los na agenda. “A falta de novas propostas e a abordagem tímida das questões LGBTQIA+ levantam dúvidas sobre o seu compromisso com a comunidade”, resume.
*por Jess Carvalho