A pressão para tributar os super-ricos deverá aumentar face aos crescentes desafios para a mitigação das alterações climáticas. A aposta é do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele comemorou a inclusão do tema nas declarações aprovadas por consenso durante a 3ª Reunião de Ministros da Fazenda e Presidentes de Bancos Centrais do G20, que terminou nesta sexta-feira, 26, no Rio de Janeiro.
“As exigências de financiamento e de novas fontes de financiamento para a transição ecológica e a luta contra a pobreza têm crescido em todo o mundo. Acredito que a pressão e a mobilização social em torno desta agenda também vão crescer”, afirmou.
O ministro já havia informado que chegou a um entendimento para que os textos das declarações incluíssem o reconhecimento de que é necessário aprofundar as discussões sobre a tributação dos super-ricos. Numa nova declaração, pouco antes da divulgação dos dois documentos acordados – Anúncio do Plano Financeiro do G20 Isso é Declaração Ministerial sobre Cooperação em Tributação -, classificou as menções explícitas ao tema como uma vitória.
“É importante que todos os contribuintes, incluindo indivíduos com património líquido extremamente elevado, contribuam com a sua quota-parte de impostos. A elisão fiscal agressiva ou a evasão fiscal por parte de indivíduos com património líquido muito elevado pode minar a justiça dos sistemas fiscais, o que é acompanhado por uma eficácia reduzida da tributação progressiva”, afirma o Comunicado do G20 Finance Track.
A seguir, o documento assume o compromisso: “Com pleno respeito pela soberania fiscal, procuraremos envolver-nos de forma cooperativa para garantir que indivíduos com património líquido extremamente elevado sejam efetivamente tributados. A cooperação poderá envolver o intercâmbio de boas práticas, o incentivo a debates em torno dos princípios fiscais e a criação de mecanismos anti-elisão fiscal, incluindo a abordagem de práticas fiscais potencialmente prejudiciais. Esperamos continuar a discutir estas questões no G20 e em outros fóruns relevantes.”
Tributar os super-ricos é uma questão prioritária para o Brasil, que atualmente preside o G20. Segundo Haddad, o conteúdo dos textos aprovados por consenso superou as expectativas iniciais e representa uma vitória importante para o país e para a comunidade internacional. “Agora o tema consta de documento oficial das 20 nações mais ricas do mundo. Isso não é coisa pequena”.
Segundo o ministro da Fazenda, com as duas declarações aprovadas, a tributação dos super-ricos deixa de ser uma questão do Brasil e passa a ser uma questão do G20, incluída na agenda internacional. Ele disse ainda que o governo brasileiro continuará insistindo no assunto, inclusive no diálogo com a África do Sul, que assumirá a presidência do grupo no final do ano.
“Tive reuniões com a OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]Brasil realiza reuniões com a ONU [Organização das Nações Unidas], que tem o seu grupo de trabalho sobre tributação justa. E penso que também temos de agregar conhecimento académico para tentar colocar em cima da mesa as possíveis formas de implementação desta medida”, acrescentou, citando economistas que são referências internacionais no tema.
Haddad também mencionou outras questões que estão em destaque nos documentos, como o combate à fome, à pobreza e às desigualdades; expansão do financiamento para as alterações climáticas; eficácia dos bancos multilaterais de desenvolvimento; alívio da dívida para os países mais pobres; e reformas na governação global.
Há também menções às metas estabelecidas na Agenda 2030, que estabelece 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) assumidos pelos 193 Estados-membros da ONU na Cúpula das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável em 2015.
“À medida que os desafios relacionados com as alterações climáticas aceleram em todo o mundo, os custos financeiros da construção da resiliência climática em cada país aumentam. Reiteramos a importância de uma combinação de políticas que consistam em mecanismos fiscais, de mercado e regulatórios, incluindo, conforme apropriado, o uso de mecanismos de precificação e não precificação de carbono e incentivos para a neutralidade de carbono e emissões líquidas zero. A necessidade de mobilizar recursos adicionais, privados e públicos, nacionais e internacionais, para ajudar a resolver os estrangulamentos na implementação da Agenda 2030 é amplamente reconhecida”, afirma o Anúncio do Plano Financeiro do G20.
No Declaração Ministerial sobre Cooperação em Tributação, houve destaque para o consenso alcançado em torno da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, cujas bases foram apresentadas esta semana em evento liderado pelo presidente Lula. A proposta busca reunir e incentivar a divulgação de políticas públicas bem-sucedidas em todo o mundo, além de aprimorá-las com base no conhecimento e nas novas tecnologias.
Um terceiro documento, focado em temas geopolíticos, foi divulgado pelo Brasil ao final da 3ª Reunião de Ministros da Fazenda e Presidentes de Bancos Centrais. Transferir essas questões para uma declaração separada foi uma estratégia adotada pela presidência brasileira no G20 para desbloquear o diálogo.
“No contexto da 3ª Reunião dos Ministros das Finanças e Governadores dos Bancos Centrais do G20, alguns membros e outros participantes expressaram as suas opiniões sobre a Rússia e a Ucrânia e a situação em Gaza. Alguns membros e outros participantes consideraram que estas questões têm impacto na economia global e devem ser abordadas no G20, enquanto outros não acreditam que o G20 seja um fórum para discutir estas questões. A presidência brasileira do G20 liderará a discussão sobre essas questões nos próximos meses, em preparação para a Cúpula de Líderes do Rio de Janeiro”, diz o comunicado.
As 19 maiores economias do mundo, bem como a União Europeia e, mais recentemente, a União Africana, têm assento no G20. O grupo estabeleceu-se como um fórum global de diálogo e coordenação sobre questões económicas, sociais, de desenvolvimento e de cooperação internacional.
Em dezembro do ano passado, o Brasil sucedeu à Índia como presidente. É a primeira vez que o país assume essa posição no formato atual do G20, instituído em 2008. No final do ano, o Rio de Janeiro sediará a Cúpula do G20, e a presidência do grupo será transferida para a África do Sul .
Pilar Três
Haddad convocou a agenda tributária para os super-ricos como Pilar Três. É uma provocação do ministro para estimular o debate. No âmbito da OCDE, há alguns anos há discussões em torno dos chamados Pilar Um e Pilar Dois, que envolvem a tributação de empresas multinacionais. O consenso em torno deles também tem sido um desafio.
O Brasil defende que os países coordenem a adoção de um imposto mínimo para os super-ricos. No entanto, há resistência. A Secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, por exemplo, disse que os indivíduos com rendimentos elevados deveriam pagar uma quantia justa, mas que não vê necessidade de um pacto global, deixando a cargo de cada governo lidar com a questão internamente.
Haddad considera que “não há impedimento para que países individuais tomem medidas internas do ponto de vista da sua soberania tributária. Espanha e Itália, por exemplo, anteciparam o Pilar Um e já aprovaram leis nacionais que regulam a tributação das multinacionais que operam nestes dois países. O Brasil também está estudando esse assunto. Se não conseguirmos assinar rapidamente uma convenção internacional, os países tomarão decisões isoladamente. Mas a melhor solução é sempre chegar ao consenso porque é mais eficiente“.
O ministro também avaliou que, sem coordenação global, os países acabam se envolvendo em uma guerra fiscal. “Essas questões que exigem a construção de consenso são sempre muito delicadas.”