A decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central de manter a taxa básica de juros em 10,5% ao ano não surpreende, mas gera frustração e se baseia em “muletas”, disse o CartaCapital o economista Fernando Sartiprofessor titular do Instituto de Economia da Unicamp.
No comunicado divulgado para justificar a manutenção da Selic, o BC menciona uma “ambiente externo adverso”devido à incerteza sobre a política monetária dos Estados Unidos e “à dinâmica da atividade e da inflação em vários países”.
No cenário doméstico, segundo o banco, “o conjunto de indicadores da atividade económica e do mercado de trabalho continua a mostrar maior dinamismo do que o esperado“.
“O cenário internacional continuará a ser usado como muleta para justificar esta posição conservadora”, avalia Sarti. “Não há nada que indique, do ponto de vista dos conflitos ou da inflação internacional, que uma grande mudança esteja convergindo.”
Na edição mais recente do Boletim Focus, divulgada esta semana pelo BC com base em pesquisa com mais de 100 instituições financeiras, a estimativa de inflação para 2024 no Brasil passou de 4,05% para 4,10%. O índice segue acima da meta central (3%), mas abaixo do teto estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (até 4,5%).
Além disso, a taxa de desemprego no Brasil foi de 6,9% no trimestre encerrado em junho, segundo a PNAD Contínua, divulgada esta quarta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Este é o melhor resultado para um trimestre encerrado em junho desde 2014.
“Será difícil escapar desta discussão [do Copom], até porque os indicadores utilizados para avaliar internamente – emprego e crescimento – têm sido positivos”, sublinha Fernando Sarti. “Corremos o risco de jogar a criança para fora da bacia junto com a água. A manutenção desta taxa irá abrandar o crescimento e, eventualmente, até mesmo o emprego.”
A nota divulgada pelo Banco Central para anunciar a Selic de 10,5% não indica qualquer possibilidade razoável de redução da taxa na próxima reunião, em setembro. O Copom sustenta, por exemplo, que os fatores considerados na reunião desta semana “requerem acompanhamento diligente e cautela ainda maior”.
“O comitê permanecerá vigilante e lembrará que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergir a inflação para a meta”, diz o texto.
Para Fernando Sarti, sem uma mudança de critérios por parte do Banco Central, não há perspectiva de o país sair desse “ciclo vicioso”.
“Crescimento na margem e uma taxa de desemprego assim? Dizer isso é preocupante?, questiona Sarti. “Estou muito pessimista. Devemos fechar o ano com uma Selic muito próxima de 10,5% ou, na melhor das hipóteses, uma queda de 0,25 no final do ano se houver alguma desaceleração nessas variáveis (emprego ou crescimento), o que é horrível.”
Com decisão do Copom, Brasil termina o dia como terceiro colocado na lista das maiores taxas de juros reais, segundo ranking atualizado pela consultoria DinheiroVocê.
Em primeiro lugar na taxa real, cálculo que desconta a inflação, está a Turquia, com 12,13%, ante 7,55% da Rússia e 7,36% do Brasil. Completando a lista dos dez primeiros estão México (6,24%), África do Sul (3,89%), Indonésia (3,61%), Hong Kong (2,83%), Itália (2,44%), Reino Unido (2,39%) e Filipinas (2,37%).