Colocado no cargo por Jair Bolsonaro, diretor do Banco Central, Roberto Campos Netoestá (por enquanto) a salvo da Comissão de Ética Pública graças a outra pessoa que deve o cargo ao ex-presidente: o desembargador Gustavo Soares Amorim, do Tribunal Regional Federal da 1ªO Região, com sede em Brasília.
Amorim impediu a conclusão no TRF-1 de um julgamento que já teve votos para permitir que a Comissão de Ética Pública conduzisse um processo contra Campos Neto a respeito de uma empresa em paraíso fiscal. Ele pediu para ver (ou seja, hora de analisar) um recurso da Advocacia-Geral da União que tenta derrubar a liminar obtida pelo banqueiro contra o processo.
O recurso é de setembro de 2023 e é confidencial. Ele começou a ser julgado no dia 1ºO Turma TRF1 em abril de 2024. A turma tem três integrantes. O relator do caso, desembargador Morais da Rocha (também indicado por Bolsonaro), e um segundo membro, Marcelo Albernaz (indicado por Lula), votaram pela revogação da liminar que blinda Campos Neto. E Amorim pediu opiniões.
Na Comissão de Ética Pública há quem suspeite que Campos Neto pretende prescrever o caso de empresa em paraíso fiscal (no mar), hipótese para a qual contribui o pedido de revisão de Gustavo Amorim no recurso da AGU. Segundo CartaCapital descoberto, o relatório da comissão é desfavorável ao banqueiro. Propõe a abertura de um processo administrativo ético, uma investigação mais profunda que poderá terminar, no limite, com uma recomendação ao presidente Lula para demiti-lo.
Em Outubro de 2021, um consórcio internacional de meios de comunicação publicou os nomes de grandes nomes que possuem empresas em paraísos fiscais. Campos Neto estava na lista, por conta da Cor Assets, que abriu em 2004 nas Ilhas Virgens com um milhão de dólares. Na hora de Documentos de Pandorao banqueiro disse que fechou em agosto de 2020. O que significa que durante 15 meses acumulou o comando do BC e a propriedade do no mar.
O escândalo levou a Comissão de Ética Pública a abrir processo contra Campos Neto. O caso ficou adormecido até o início do governo Lula. Os sete membros da comissão são indicados pelo presidente e, em 2021 e 2022, todos haviam sido indicados por Bolsonaro. O processo começou em 2023 com a entrada de cinco membros indicados por Lula. O relator do caso Campos Neto foi um deles, Bruno Espiñeira Lemos.
O relator decidiu levar o processo à deliberação entre pares. Em setembro de 2023, a Comissão de Ética Pública foi proibida de julgar graças a liminar obtida por Campos Neto no dia 16O Vara Cível Federal em Brasília. É contra essa liminar que a AGU recorreu ao TRF-1.
Nunes Marques e ‘tia Carminha’
O juiz de 40 anos ingressou no tribunal em 2022, último ano de Bolsonaro no poder. Ele ocupou a vaga deixada no TRF-1 por Nunes Marques, indicado por Bolsonaro para o Supremo em 2020, com apoio do atual ministro.
Quem também apoiou a escolha de Amorim foi a desembargadora Maria do Carmo Cardoso, do mesmo TRF-1. Conhecida nos bastidores de Brasília como “Tia Carminha”, ela é próxima do clã Bolsonaro, principalmente do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos), filho do ex-presidente.
Em 2019, primeiro ano como presidente, Jair Bolsonaro nomeou Lenisa Prado, filha de Maria do Carmo, para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade. Recentemente, a Comissão de Ética Pública abriu processo contra Lenisa por fatos ocorridos durante sua passagem pelo Cade. A investigação apura a apresentação de reportagem de Lenisa sobre parceria entre as distribuidoras de gás Supergasbras e Ultragaz, supostamente redigida por empresa concorrente, Copagaz.
Nesse mesmo ano, Maria do Carmo decidiu a favor de que o governo pudesse comemorar o golpe militar de 1964, quando o caso passou pelas mãos deles no TRF-1.
Em dezembro de 2022, logo após a eliminação do Brasil da Copa do Mundo, o juiz postou nas redes sociais uma mensagem alusiva à eleição realizada em outubro: “Veremos a Copa do Mundo mais tarde, 99% dos jogadores do Brasil moram na Europa, o o técnico é o PT e o Globolixo é de esquerda. Nossa verdadeira equipe está na frente do quartel.” A postagem levou o Conselho Nacional de Justiça a abrir um processo contra ela. Em novembro de 2023, porém, o processo foi arquivado.
Em abril de 2024, a Corregedoria do órgão realizou uma vistoria no gabinete de Maria do Carmo no TRF-1. Razão: um demora em processo sobre suposto pagamento de propina à Assembleia Legislativa do Amapá para aprovar a transferência de concessão ferroviária do estado para uma mineradora.
O caso de propina era de 2014 e foi arquivado em 2022 pela Justiça do Amapá por prescrição. O inquérito policial que alimentou a investigação esteve sob a supervisão de Maria do Carmo no TRF-1 desde 2017 e não teve andamento.