Num ano, políticos de extrema-direita pagaram para impulsionar 124 publicações contra crianças e adolescentes trans, no Facebook e Instagram, segundo dados da Ad Library da Meta. Entre as postagens há reprodução de discursos de ódio e mentiras.
O Diadorim analisaram anúncios veiculados entre 11 de junho de 2023 e 10 de junho de 2024. A busca foi realizada utilizando o termo “crianças trans”. No total, foram registradas 178 postagens sobre o tema, sendo 124 feitas por políticos – entre senadores, deputados, vereadores e pré-candidatos a vereador nas próximas eleições.
Essa campanha de políticos antitrans ganhou força no Brasil após a 27ª edição da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, em 2023. No dia 11 de junho daquele ano, o ONG Minha Criança Trans participou do evento reunindo cerca de 120 famílias com crianças e adolescentes trans e não binários na Avenida Paulista.
Após o evento, imagens dos participantes foram compartilhadas no grupos de extrema direitaresultando em mensagens de ódio e discriminação nas redes sociais.
Mentiras
De acordo com a pesquisa de Diadorimentre os propagadores do discurso de ódio após o episódio estão parlamentares influentes da ala conservadora, como a deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC), o senador Zequinha Marinho (PODE-PA) e os deputados estaduais Tenente Coimbra (PL-SP) e Paulo Mansur (PL-SP).
Quem mais gastou com propagandas contra crianças e adolescentes trans foi Mansur. Em seu primeiro mandato como deputado estadual, integra a comitiva bolsonarista na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).
O deputado passou cerca R$ 4.600 em quatro publicações para divulgar um projeto de lei de sua autoria, que visava proibir crianças e adolescentes trans de participarem da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo e de outros eventos “sexuais”.
Propostas semelhantes foram apontado pelo MPF (Ministério Público Federal) como inconstitucional. “É preconceito, é um ato de homofobia, é um ato de transfobia e por isso sofre de inconstitucionalidade”, disse Fabiana Lobo, procuradora da Paraíba.
O segundo parlamentar que mais gastou com reforços foi o tenente Coimbra. Ele pagou em torno R$ 2.100 para patrocínio de quatro publicações informando sobre sua participação como relator na CPI da Transição de Gênero instalada na Alesp.
O Diadorim já demonstrou que inquérito parlamentar terminou sem comprovação de irregularidades no serviço do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos) do Hospital de Clínicas da Universidade de São Paulo. Mesmo assim, os parlamentares recomendaram a suspensão imediata da admissão de novos pacientes.
Em junho de 2023, a Alesp iniciou a CPI da Transição de Gênero, para investigar o Atendimento Ambulatorial Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual da USP.
Foto: Carol Jacob/Alesp
Num dos anúncios, Coimbra sugere que um adolescente com menos de 16 anos não teria “capacidade cognitiva” para decidir “que sexo terá para o resto da vida”.
Porém, segundo o pediatra José Luiz Egydio Setúbalem texto publicado no jornal O Globo, a identidade de gênero costuma aparecer entre os dois e os três anos, mas é aos sete que a criança tem plena consciência do que é e de como quer se vestir, por exemplo.
O senador Zequinha Marinho (Podemos-TO) investiu cerca de R$ 200 para duas publicações contra o que chama de “ideologia de género”, afirmando que “estão a aumentar os relatos de pessoas trans arrependidas”, sem fornecer provas. Segundo Amtigos, das 1.200 famílias acompanhadas ao longo de mais de uma década de serviço, apenas uma pessoa passou pelo processo de “destransição”.
Marinho, ex-vice-governador do Pará, já teve seu nome envolvido em esquema de desvio de dinheiro público destinado à compra de ambulâncias superfaturadas e, recentemente, foi citado pelo MPF por “fortes indícios” de envolvimento em grilagem de terras de indígenas terra.
Júlia Zanatta fez dois movimentos contra a Resolução nº 715 do Conselho Nacional de Saúde, que defendia a redução da idade de início da terapia hormonal para 14 anos. Embora o texto apenas resuma as demandas e deliberações da sociedade civil durante o 17ª Conferência Nacional de Saúdeo deputado gastou até R$ 200 para divulgação do Projeto de Decreto Legislativo 198/2023da qual foi signatária, que visava “suspender” a resolução.
Pré-candidatos
Os candidatos às eleições de 2024 serão oficializados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no dia 18 de agosto. Até lá, os políticos podem publicar pré-candidaturas, mas não há levantamento oficial dos pré-candidatos.
Desses pré-candidatos, quem mais gastou com propagandas contra pessoas trans foi Brunninha (PL-RJ), que deverá concorrer a uma vaga na Câmara de Duque de Caxias.
Ela pagou aprox. R$ 700 impulsionando o mesmo conteúdo: vídeo de sua autoria criticando o bloco Crianças e Adolescentes Trans Existe. “Se vocês, independentemente das suas opções e escolhas, trabalham pela sexualização dos nossos filhos, então sim, encontrarão aqui um adversário”, disse ela.
PRÉ-CANDIDATOS QUE CONDUZEM POSTOS ANTI-TRANS
Confira a lista completa de pré-candidatos identificados pela Diadorim:
- Alexandre Moreira Almeida (PL-BA) – pré-candidato a vereador de Salvador
- Brunninha (PL-RJ) – pré-candidata a vereadora em Duque de Caxias
- Cici Maldonado (PL-RJ) – pré-candidata a vereadora por São Gonçalo
- Claudio Romero (PL-GO) – pré-candidato a vereador em Anápolis
- Deyvid Breis (PSD-SC) – pré-candidato a vereador de São Francisco do Sul
- Dinho Souza (PL-ES) – pré-candidato a vereador da Serra
- Flavio Rodrigues (PSB-MG) – pré-candidato a vereador de Itaobim
- Guilherme Kilter (NOVO-PR) – pré-candidato a vereador de Curitiba
- José Renato (PSB-RJ) – pré-candidato a vereador por Barra Mansa
- Márcio Colombo (PSDB-SP) – pré-candidato a vereador de Santo André
- Marcos Junio (DC-PB) – pré-candidato a vereador em João Pessoa
- Maurinho Fiuza (PSC-RS) – pré-candidato a vereador por São Leopoldo
Anúncios Afirmativos
No período analisado, apenas quatro dos anúncios feitos por políticos assumiram tom positivo, saindo em defesa da população trans na perspectiva dos direitos humanos.
Duas delas foram publicadas pela deputada estadual Luciana Genro (PSOL-RS), que pagou cerca de R$ 400 para divulgar iniciativas de seu mandato em favor da comunidade T – como os R$ 500 mil em emendas que ela destinou à Trans de Porto Alegre.
Silvânia Mãozinha (MDB-SE), mulher trans e pré-candidata a vereadora em Aracaju, investiu cerca de R$ 100 para divulgar sua própria história. Tallia Sobral (PSOL-MG), vereadora de Juiz de Fora, pagou cerca de R$ 100 para divulgar as ações articuladas pelo seu mandato em 2023 – entre elas, a Lei de Empregabilidade Trans.
*Texto de Jess Carvalho