As eleições de 2024 no Brasil marcam um momento histórico para a visibilidade das candidaturas LGBT+. Pela primeira vez, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contabilizou oficialmente essas candidaturas, representando um avanço não só para as eleições brasileiras, mas também para o reconhecimento formal de lideranças LGBT+ no cenário político. Essa conquista é especialmente importante, considerando que órgãos como o IBGE continuam resistindo à inclusão da população LGBT+ em seus registros, adotando posturas refratárias e transfóbicas.
O VoteLGBTcom 10 anos de atuação apartidária, sempre buscou abrir caminhos para que lideranças LGBT+ possam participar da política de forma plena e segura. Até recentemente, o movimento social era responsável pela identificação e acompanhamento destas candidaturas. Em 2022, a entidade divulgou relatório sobre as eleições municipais de 2020, que analisou o desempenho de 556 candidatos LGBT+, dos quais 97 foram eleitos. A pesquisa revelou que os líderes LGBT+ superaram as médias gerais de desempenho eleitoral em vários contextos, especialmente nas grandes cidades e quando tinham financiamento adequado. Estes dados comprovam o potencial eleitoral destas candidaturas quando recebem o apoio necessário.
Agora, com os dados do TSE em mãos, observamos um cenário mais abrangente: foram acrescentadas mais de 2.400 candidaturas LGBT+ que antes não conseguíamos mapear, totalizando 3.037 candidaturas. Ao analisar esse cenário mais amploconstatámos que 48,7% destas candidaturas estão filiadas em partidos de centro (26,8%) e de direita (21,9%), o que vai contra as expectativas comuns. Com a direita tão organizada nos seus ataques às comunidades LGBT+, como podemos explicar a presença de tantos candidatos abertamente LGBT+ nestes partidos?
OLHO: MMuitos líderes LGBT+ relataram agir de maneira progressista, mesmo em siglas tradicionalmente conservadoras
Uma das hipóteses advém da capilaridade dessas siglas em todo o país. Em 2024, segundo dados do TSE, o PT lançou candidaturas em cerca de 64% dos municípios brasileiros, enquanto o PSOL atingiu apenas 10%. Por outro lado, partidos como MDB e PP têm presença muito mais robusta, com candidaturas em 74% e 67% dos municípios, respectivamente. Esta distribuição significa que muitos líderes LGBT+ em cidades mais pequenas optam por partidos de centro e de direita, não por alinhamento ideológico, mas por causa do contexto local.
Durante as entrevistas para a reportagem “Política LGBT+ brasileira: entre poderes e apagamentos”, muitos líderes LGBT+ eleitos por partidos de centro e direita relataram agir de forma progressista, embora estivessem em siglas tradicionalmente conservadoras. Quando questionados, explicaram que a escolha do partido estava mais relacionada com as dinâmicas locais de poder e influência política do que com as orientações nacionais, mostrando que a viabilidade eleitoral tem um peso considerável nesta escolha.
A verdade é que, mesmo dentro dos partidos de esquerda, a realidade local nem sempre é tão acolhedora como se poderia imaginar. Embora seja na esquerda onde se concentra a maior parte das candidaturas LGBT+ e embora alguns partidos tenham políticas nacionais de apoio a estes líderes, a prática muitas vezes não é tão otimista. O controlo sobre os recursos de campanha e o apoio prático é geralmente exercido por líderes locais, maioritariamente constituídos por homens cisgénero, brancos, ricos e heterossexuais, que nem sempre estão interessados em abrir espaço para a diversidade política.
São inúmeros os relatos de sabotagem: desde a não confirmação de pré-candidaturas promissoras, retenção de financiamento, até desfiliações arbitrárias de vereador trans, realizadas em segredo. A LGBTfobia não escolhe partido. A diferença é que, na extrema direita, esta violência tornou-se uma estratégia eleitoral consolidada em diversas partes do mundo, onde o modus operandi é o discurso de ódio e os ataques diretos a líderes LGBT+, especialmente pessoas trans. No Brasil, esses crimes são financiados com dinheiro público.
Com a oficialização dos dados do TSE, esperamos obter uma visão mais clara do desempenho eleitoral destas candidaturas nas eleições de 2024. Pela primeira vez teremos a oportunidade de analisar dados oficiais sobre o número de líderes LGBT+ eleitos e o nível de apoio oferecido por cada partido. Esse avanço é essencial para a criação de políticas públicas que garantam maior segurança e viabilidade às lideranças LGBT+ no cenário político institucional.
A visibilidade proporcionada pelos dados produzidos pelo TSE nestas eleições é fundamental, mas é necessário um entendimento aprofundado do contexto para entender o que eles significam. Para as pessoas LGBT+, as tendências políticas pessoais nem sempre coincidem com as dos seus partidos. O desafio agora é abordar estes dados sem preconceitos. Se conseguirmos olhar para eles com curiosidade e interesse, aprenderemos muito!
Sem diversidade não há democracia.