A relação entre Lula (PT) e Nicolás Maduro está longe de ser tão tranquila quanto a entre o petista e Hugo Chávez, no auge da chamada “onda rosa” na América Latina, durante a primeira década do século XXI. Agora, às vésperas das eleições presidenciais na Venezuela, o barulho ganha força.
Maduro buscará seu terceiro mandato de seis anos no próximo domingo, 28, o que levaria o chavismo a mais de 30 anos no poder. Seu principal adversário é Edmundo González, apoiado pela líder da oposição María Corina Machado, que foi impedido de concorrer pela Justiça venezuelana.
Lula há muito defende o respeito pelo resultado de uma eleição justa na Venezuela, independentemente do vencedor, mas a oposição e a imprensa corporativa pediram-lhe que fosse mais incisivo nas suas críticas a Maduro.
O atrito ganhou força depois que Maduro afirmou, durante um evento de campanha na semana passada, que o país poderia viver uma “guerra civil” e sofrer um “banho de sangue” se a oposição prevalecesse.
“Fiquei assustado com a declaração de Maduro”, disse Lula, na última segunda-feira, 22, em entrevista a agências internacionais. “Quem perde as eleições leva uma chuva de votos. Maduro tem que aprender: quando você ganha, você fica; quando você perde, você vai embora.”
Entre os observadores enviados pelo governo brasileiro a Caracas estará o assessor presidencial Celso Amorim, ex-chanceler e figura central na formulação da política externa dos governos petistas.
“Já disse duas vezes a Maduro – e Maduro sabe – que a única chance da Venezuela voltar à normalidade é ter um processo eleitoral que seja respeitado pelo mundo inteiro”, acrescentou Lula.
A resposta de Maduro foi indireta, mas não passou despercebida. “Eu não contei mentiras. Eu apenas pensei sobre isso. Quem está com medo deve tomar chá de camomila”, disse o venezuelano nesta terça-feira, 23. “Na Venezuela, a paz, o poder popular, a perfeita união cívico-militar-polícia triunfarão.”
Horas depois, em outro comício, ele questionou a lisura das urnas eletrônicas brasileiras. Na época, disse que a Venezuela tem “o melhor sistema eleitoral do mundo”, com auditorias em 54% das urnas.
“Onde mais no mundo eles fazem isso? Nos Estados Unidos? O sistema eleitoral é auditável? No brasil? Eles não auditam nenhum boletim. Na colômbia? Eles não auditam nenhum boletim”, ela continuou.
Não é verdade. O Tribunal Superior Eleitoral, que enviará técnicos para acompanhar o pleito venezuelano, reforçou nesta quarta-feira que a Urna “é um relatório totalmente auditável”.
As auditorias ocorrem antes, durante e depois do processo eleitoral. Uma norma do TSE garante às entidades fiscalizadoras o acesso antecipado aos sistemas eleitorais e o acompanhamento dos trabalhos de especificação e desenvolvimento.
Além disso, os Tribunais Regionais Eleitorais realizam, por amostragem, no dia da votação, duas auditorias de funcionamento das urnas: o Teste de Integridade e o Teste de Autenticidade. Em 2024, assim como aconteceu em 2022, a Justiça Eleitoral ainda promoverá o Teste de Integridade com Biometria, em locais de votação designados.
Outras divergências
Em março, antes de a oposição venezuelana se unir em torno de Edmundo González, Lula criticou o facto de Corina Yoris, a favorita de Marína Corina Machado, não ter conseguido formalizar a sua candidatura à presidência. “É grave que o candidato não pudesse ter sido inscrito”, disse o petista. “O fato concreto é que não há explicação. Não há explicação legal ou política para proibir um oponente de ser candidato.”
Dias antes, o Itamaraty havia afirmado que acompanhava de perto “expectativa e preocupação” o processo eleitoral na Venezuela e avaliou que o impedimento à candidatura de Yoris “não foi, até o momento, objeto de qualquer explicação oficial”.
A resposta venezuelana não demorou a chegar e partiu do chanceler Yvan Gil, que publicou nota repudiando a declaração do Itamaraty, que classificou como “cinzenta e intervencionista, escrita por funcionários do Itamaraty, que parece ter sido ditada por o Departamento de Estado dos Estados Unidos”.
Naquele momento, o atrito começou a ganhar força e atingiu um novo patamar. Até então, Lula mediu suas manifestações com mais cautela, como parte de sua tentativa de devolver o Brasil à condição de mediador das tensões sul-americanas.
Um exemplo é a crise entre Venezuela e Guiana. Num referendo realizado em Dezembro de 2023, mais de 95% dos eleitores venezuelanos participantes apoiaram a proposta de criação de uma província em Essequibo, uma região rica em petróleo administrada por Georgetown e reivindicada por Caracas.
Na ocasião, Lula recebeu um telefonema de Maduro e, segundo o Palácio do Planalto, “transmitiu a crescente preocupação dos países sul-americanos com a questão do Essequibo”.
Na conversa, o petista também enfatizou a importância de evitar medidas unilaterais que levem ao agravamento da situação. Foram termos mais brandos do que os adotados neste momento, com a aproximação das eleições venezuelanas.
Em fevereiro, Lula viajou para a Guiana e se reuniu com o presidente Mohamed Irfaan Ali, com um apelo à paz na região e sem críticas diretas a Maduro. “Nossa integração com a Guiana faz parte da estratégia do Brasil de ajudar, não só no desenvolvimento, mas de trabalhar intensamente para que mantenhamos a América do Sul como uma zona de paz no planeta Terra. Não precisamos de guerra.”
O resultado das eleições presidenciais do próximo domingo e, principalmente, a reação dos candidatos colocarão mais uma vez à prova o governo Lula no cenário internacional, qualquer que seja o resultado: se Maduro perdera comunidade internacional exigirá a conclusão da transição de poder; se ele ganhar, é provável que vários países questionem a legitimidade do processo eleitoral. De qualquer forma, o governo brasileiro terá uma situação delicada para administrar.