Em cerimônia póstuma realizada na tarde desta segunda-feira, 26, na capital paulista, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo formou 15 estudantes que foram mortos durante a ditadura militar. Os diplomas foram entregues às famílias desses ex-alunos.
“Esses jovens perderam a oportunidade de mudar a sociedade através de suas atividades profissionais. Mas eles fizeram mudanças profundas na nossa sociedade através das suas ações. Eles deram a vida para que pudéssemos ter um futuro melhor”, disse o reitor da USP Carlos Gilberto Carlotti Junior, durante a cerimônia.
A ação faz parte do projeto Diploma de Resistênciaque visa homenagear 31 estudantes universitários assassinados pela ditadura. O objetivo, informou a instituição, é “resgatar a trajetória desses estudantes, contribuindo para a reparação das injustiças, a manutenção da memória coletiva e a afirmação dos direitos humanos na sociedade brasileira”.
“Hoje é um dia de reparação”, disse Paulo Martins, professor e diretor da FFLCH. “É um reconhecimento pessoal para aqueles que caíram em nome da liberdade, em nome da democracia e em nome da nossa universidade.”
Em dezembro do ano passado, dois ex-alunos da USP já haviam recebido diplomas póstumos: Alexandre Vannucchi Leme e Ronaldo Boca Queiroz, alunos do Instituto de Geociências mortos em 1973.
Em 2013, a universidade criou sua própria Comissão da Verdade para examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos cometidas contra professores, estudantes e funcionários universitários durante a ditadura militar brasileira.
Em seu relatório finala Comissão da Verdade concluiu que a ditadura militar foi responsável pela morte de 39 estudantes, seis professores e dois funcionários universitários.
Homenageados
Entre os homenageados pela USP na tarde desta segunda-feira está Tito de Alencar Lima, o Frei Titoque começou a estudar ciências sociais em 1969, mas abandonou os estudos após ser preso, acusado de estar vinculado à Ação Libertadora Nacional (ALN).
Frei Tito foi intensamente torturado pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury até ser banido do Brasil em 1971 em troca da libertação do embaixador suíço Giovani Enrico Bucker.
Apesar do acompanhamento psicológico constante, Frei Tito teve dificuldade em superar as consequências psicológicas das torturas a que foi submetido no Departamento de Ordem Política e Social, no Dops, e na Operação Bandeirante. No dia 7 de agosto de 1974, Frei Tito suicidou-se num convento dominicano na França.
Outro homenageado é Antonio Benetazzoque estudou Filosofia na universidade e foi membro da Acção de Libertação Nacional (ALN) e do Movimento Popular de Libertação (Molipo), que ajudou a fundar. Foi preso em 1972 e levado ao Departamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna, DOI-Codi/SP, onde foi torturado até a morte.
Além deles, os outros alunos homenageados foram: Carlos Eduardo Pires Fleuryque estudou filosofia, foi ativista da ALN e foi torturado e assassinado em 1971; Catarina Helena Abi-Eçabestudante de filosofia e membro da União Nacional dos Estudantes (UNE), preso, torturado e executado em 1968, cuja morte foi fingida como tendo sido causada por um acidente de carro; Fernando Borges por Paula Ferreiramais conhecido como Fernando Ruivo, estudante de ciências sociais, dirigente estudantil e militante sindical, morto em 1969 após uma emboscada policial; Francisco José de OliveiraChico Dialético, estudante de ciências sociais e ativista da ALN e Molipo, morto nas costas por tiros de metralhadora de agentes do DOI-CODI em 1971.
Alunos também foram homenageados Helenira Resende de Souza Nazarethque estudou literatura na USP e foi vice-presidente da UNE, morto e torturado na Guerrilha do Araguaia em 1972; Ísis Dias de Oliveiraque estudou ciências sociais, foi militante da ALN e desapareceu após ser preso em 1972; e Jane Vaniniestudante de ciências sociais, ativista do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR) e que foi preso e morto no Chile em 1974.
Alunos completam as homenagens João Antônio Santos Abi-Eçabestudante de filosofia e ativista estudantil, que foi preso, torturado e executado em 1968 ao lado de sua esposa Catarina Helena Abi-Eçab; Luiz Eduardo da Rocha Merlinoestudante de história que foi preso e torturado até a morte no DOI-Codi/SP em 1971; Maria Regina Marcondes Pintoestudante de ciências sociais e ativista do MIR, desaparecido em Buenos Aires em 1976; Ruy Carlos Vieira BerbertEstudante de literatura e activista do Molipo, que foi torturado e morto em 1972; Sérgio Roberto Corrêaestudante de ciências sociais e activista da ALN, que morreu numa explosão em 1969; e Suely Yumiko Kanayamaestudante de literatura e militante da guerrilha do Araguaia, desaparecido em 1973.
“Lembro novamente que o Brasil, diferentemente dos países latino-americanos, impôs o processo de anistia antes do processo de redemocratização do país. Isto significa que estas mães, irmãs e filhas que procuravam notícias sobre as suas famílias arriscaram-se para que pudéssemos estar aqui hoje. Isso não pode ser esquecido”, disse Yara Nazareth de Souto Santos, representante da família e sobrinha-neta da estudante Helenira Resende de Souza Nazareth.
“Embora fale em nome da minha tia, estou aqui representando todas as famílias que estão aqui presentes e nunca desisti dessa luta que foi passada de geração em geração”.