São Paulo foi devastada por incêndios nos últimos dias de forma tão intensa que o número de incêndios bateu recorde negativo desde o início das medições do satélite de referência do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 1998. A fumaça das queimadas atingiu longe e cobriu parte do país, incluindo a Praça dos Três Poderes em Brasília.
A situação levou a ministra do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA), Marina Silva, a relacionar o evento ao “Dia do Fogo”, ocorrido no Pará em 2019, quando ocorreu uma mobilização de agricultores da cidade de Novo Progresso ( PA) e a região haviam convocado a população a “acender fogueiras para limpar pastagens e desmatar” como uma suposta forma de protesto contra as políticas ambientais de preservação da floresta.
A suspeita veio à tona depois que um veículo local de Novo Progresso informou que empresários e agricultores locais haviam organizado os incêndios via WhatsApp.
No mesmo período, houve explosão de incêndios no entorno da BR-163, no trecho que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA). Naquele ano, entre 10 e 11 de agosto, o Inpe detectou 1.457 focos de calor no Amazonas. Em comparação, São Paulo teve 50,8% mais focos de calor.
O “Dia do Fogo” chamou a atenção internacional para a então crescente crise ambiental na Amazônia. O evento gerou grande repercussão na mídia, principalmente pelo impacto ambiental e pela falta de ação rápida das autoridades para conter os incêndios.
O Agência Pública apurou que os responsáveis pelos crimes do “Dia do Fogo” na Amazônia seguem impunes até hoje e que as investigações inconclusivas foram encerradas no primeiro semestre deste ano.
O Ministério Público Federal (MPF) informou que duas investigações foram instauradas na época – uma em 2019 e outra em 2020 –, mas as investigações, sob sigilo, não encontraram provas suficientes para registrar denúncia. “As investigações não obtiveram êxito na obtenção de elementos de condenação para apresentação de denúncia pelo MPF”, informou o órgão. Segundo o MPF, as investigações foram arquivadas em fevereiro e junho de 2024.
A Polícia Federal (PF) não respondeu ao relatório dos Inquéritos Policiais (IPLs) no dia do incêndio. Atualmente, o órgão afirma ter 5.589 IPLs em andamento sobre questões ambientais, sendo 32 delas diretamente relacionadas às queimadas nos biomas Amazônia, Pantanal e São Paulo, iniciadas entre 2023 e 2024.
Ministra do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva relacionou o atual acontecimento ao “dia do fogo”, ocorrido no Pará em 2019. Créditos: José Cícero Silva / Agência Pública
Não houve responsabilidade civil para os envolvidos
Levantamento feito pelo Greenpeace Brasil revela que as 478 propriedades rurais envolvidas no “Dia do Fogo” ainda registram altos índices de desmatamento e continuam registrando focos de calor e cicatrizes de áreas queimadas ao longo dos últimos anos, mesmo que algumas delas estejam embargadas pelo poder público.
Apesar das ilegalidades, 29 deles têm histórico de financiamento via crédito rural, totalizando 127 transações e valor superior a R$ 200 milhões. A maior parte desses recursos, 74%, foi destinada à aquisição, criação e manutenção de bovinos, num total de aproximadamente R$ 135 milhões.
O Greenpeace Brasil destacou ainda que, dos imóveis analisados, cerca de 65% foram embargados por infrações diversas, mas apenas 10% devido ao uso ilegal do fogo, o que sugere subnotificação nesse aspecto. Foram identificadas 662 multas, totalizando aproximadamente R$ 1,28 bilhão, mas apenas R$ 41 mil foram pagos, segundo levantamento da entidade.
Thaís Bannwart, porta-voz do Greenpeace Brasil, disse à Pública que, até o momento, não houve responsabilidade civil para os envolvidos, prevalecendo a impunidade persistente. Segundo Bannwart, a organização identificou a expansão da produção agrícola nas áreas afetadas pelas queimadas, incluindo a invasão de florestas públicas não designadas.
“É injusto que proprietários de terras que desmataram e queimaram grandes áreas, inclusive florestas públicas, tenham acesso ao crédito rural, financiado com o nosso dinheiro, enquanto acumulam multas ambientais não pagas”, afirmou. “Sem punição e sem pagamento de multas, as queimadas ilegais continuarão. As instituições financeiras devem negar crédito a estas pessoas, e a responsabilização deve incluir também a comercialização de produtos nestas áreas”, concluiu.
“É uma guerra contra o fogo e o crime. É fundamental entender que o que está acontecendo, quando se trata de ação penal, será punido com todo o rigor que a lei nos oferece”, afirmou Marina Silva. A fala do ministro demonstra o interesse do Estado em punir os criminosos que incendiaram São Paulo e outras regiões do país. Porém, o MMA não respondeu qual tem sido a atuação desta gestão em relação ao acompanhamento das investigações e conclusão da investigação de 2019.