Em agosto do ano passado, a prefeitura de São Paulo decidiu indenizar R$ 7,1 milhões à Sociedade Beneficente Equilíbrio de Interlagos (Sobei), que administra 15 creches terceirizadas na cidade. O valor refere-se a aluguéis entre 2019 e 2023. Foi um acordo inusitado, pois a prefeitura havia conseguido Decisão judicial dizendo que ela não tinha obrigação de fazer nenhum pagamento. Ainda assim, ela escolheu fazer isso. O acordo destaca vínculos antigos com o prefeito Ricardo Nunes (MDB-SP), pré-candidato à reeleição.
A Agência Pública constatou que nove dos dez contratos que receberam a recomposição são de imóveis locados por empresas de Benjamin Ribeiro, um dos fundadores da Sobei e amigo próximo de Nunes, ou de um de seus sócios, Sérgio Janikian.
POR QUE ISSO IMPORTA?
- Contrariando a lei municipal, a prefeitura de São Paulo chegou a um acordo extrajudicial com uma organização social que administra creches terceirizadas que garantiu milhões para amigos do prefeito Ricardo Nunes (MDB-SP), pré-candidato à reeleição.
Nunes e Ribeiro eram amigos da maçonaria. Eles frequentavam a loja maçônica Fé, Equilíbrio e Luz 270, na zona sul de São Paulo, onde o prefeito estava iniciado. Sobei era aberto em 1984 por iniciativa de membros da mesma unidade. Tanto Sobei quanto a loja maçônica operam no mesmo endereço.
Ribeiro foi presidente da Sobei por duas décadas. Ele havia se afastado de funções gerenciais nos últimos anos, mas nunca deixou de ser uma pessoa influente na organização. Nunes também foi assessor da Sobei entre 2015 e 2019 e já trabalhou como voluntário na entidade.
Janikian foi o maior doador individual da campanha de Nunes para deputado federal em 2018, com R$ 20 mil. Além dos contratos de aluguel de creches, também possui contratos com a Secretaria de Educação para venda de material escolar e aluguel de imóveis escolares municipais.. Ex-diretor do Corinthians (por alguns meses), Janikian também deverá ser beneficiado com desapropriação de mais de R$ 9 milhões, segundo o De olho nos ruralistas. A reportagem entrou em contato com o empresário, mas ele não respondeu aos questionamentos até a publicação.
O acordo extrajudicial que beneficiou Sobei foi fechado em 17 de agosto de 2023. Poucos dias depois, em 25 de agosto, Ribeiro faleceu. Ele estava sofrendo complicações de um acidente doméstico. Os bens e negócios de Ribeiro ainda estão em processo de inventário, mas as empresas detentoras dos contratos de creche permanecem em nome de seus familiares e sócios.
Fachada do Centro de Educação Infantil (CEI) no Jardim Bela Vista, na Cidade Dutra, zona sul de São Paulo
Além de beneficiar aliados do prefeito, acordo extrajudicial também vai contra lei municipal. A porteiro que regulamenta os contratos entre a Secretaria de Educação e entidades sem fins lucrativos administradoras de creches diz que, para receber reajuste no repasse de aluguel, é preciso comprovar que não existe vínculo jurídico prévio entre a entidade e o locador da propriedade.
Segundo a portaria, o locador não pode “ser ou ter sido associado, cooperado, conselheiro ou diretor da organização”, “ser cônjuge ou parente, até o terceiro grau, inclusive por afinidade, de conselheiros ou diretores da organização” e “tem ou teve vínculo empregatício com a organização”.
Dos dez contratos beneficiados, quatro foram registrados em nome de Ribeiro, que tinha relação direta com Sobei. Outros cinco estão em nome de Janikian, sócio direto do ex-diretor. Surgem as empresas Fermajan, dos dois sócios, Apollo BRS, de Ribeiro, e Master, de Janikian.
Ribeiro não teve vergonha de admitir que era dono de imóveis que alugou à entidade que fundou – e pagou com dinheiro repassado pela prefeitura. “Tenho vários imóveis, não só alugados para Sobei, inclusive para escolas particulares. Meu negócio é construir imóveis para alugar para escolas”, disse ele Folha de S.Paulo em 2018. “Se a prefeitura não quiser alugar meus imóveis, pode devolvê-los quando quiser.”
“Máfia da creche”
As creches conveniadas foram uma das bandeiras defendidas por Nunes nas eleições de 2020, quando foi vice-campeão na chapa vencedora de Bruno Covas, falecido em 2021. Nunes está ligado a grupos que administram creches na cidade, principalmente na zona sul, seu reduto eleitoral. O seu grupo político está associado à chamada “máfia das creches”, com suspeitas de irregularidades e superfaturamento de aluguéis.
Além disso, uma empresa de propriedade de sua família, Nikkey Controle de Pragas, recebeu R$ 50 mil para prestação de serviços sem licitação em creches administradas por outra entidade, a Associação Amigos da Criança e do Adolescente (Acria).
Recentemente, o prefeito tornou-se alvo do Ministério Público pelo acordo que beneficiou Sobei. A última etapa da investigação foi a solicitação de informações à prefeitura.
O Tribunal de Contas do Município de São Paulo também foi procurado no caso, mas arquivou a denúncia. Os técnicos referem que não havia provas suficientes de irregularidades e que a denúncia não apresentava provas que permitissem avaliar se existia uma relação estreita entre os proprietários dos imóveis e Sobei.
Prefeitura aumentou pagamentos de recuperação de aluguel
Sobei é uma das principais administradoras de creches da capital paulista e atende cerca de 5 mil crianças, segundo a entidade. Ela foi favorecida pelo modelo de creches conveniadas criado pelo ex-prefeito João Doria (PSDB-SP) com a intenção de diminuir a fila de espera na capital. Com menor custo para o município, o número de unidades terceirizadas praticamente dobrou durante a gestão do tucano.
Nesse modelo, a prefeitura paga uma taxa às entidades sem fins lucrativos que administram as creches, que também são responsáveis pelo pagamento do aluguel dos imóveis. Ou seja, a prefeitura não aparece como locatária dos imóveis, mas sim como instituição contratada.
As entidades reclamam que a prefeitura não reajusta os valores de acordo com o índice de correção IGP-M, aplicado nos contratos de aluguel comuns, mas sim com base em portaria que estipula que o valor máximo deve ser de 0,8% do valor de venda do imóvel. a propriedade. Como resultado, afirmam, as transferências acabam por ser deficientes.
Sobei havia instaurado ação judicial contra a prefeitura para solicitar a reposição do valor locativo de cinco unidades por ela administradas no período entre 2019 e 2023. Apesar dos pedidos referirem-se a apenas cinco unidades, a Câmara Municipal decidiu ampliar o convênio, chegando a dez.
A reportagem entrou em contato com Sobei, mas não obteve respostas até a publicação.
Segundo a prefeitura, “o acordo celebrado extinguiu 17 ações judiciais de proprietários contra Sobei, e da instituição contra a Prefeitura, nenhuma delas transitada em julgado”. As ações, segundo o município, tiveram bloqueio de contas bancárias de 15 creches, “oferecendo, portanto, risco de interrupção do serviço”. Leia a resposta completa.
“O acordo assinado em agosto de 2023 foi mediado pela Procuradoria-Geral do Município com base na legislação vigente. Seu objetivo era manter a continuidade da prestação de serviços essenciais de educação infantil a mais de cinco mil bebês e crianças, moradores de algumas das regiões mais vulneráveis da cidade, que corriam o risco de serem privados de suas vagas em estabelecimentos educacionais”, diz a nota.