Áudio obtido por CartaCapital mostram o pecuarista Henrique Prata, presidente do Hospital de Amor de Barretos (antigo Hospital de Câncer) pressionando seus funcionários a votarem no radialista Odair Silva (Republicanos), candidato a prefeito apoiado por ele no município a cerca de 400 km de São Paulo , sob pena de cancelamento dos planos de saúde dos funcionários.
O material faz parte de um procedimento preliminar aberto pelo Ministério Público do Trabalho para apurar possíveis crimes de assédio eleitoral no dia 21 de setembro, um dia após a reunião convocada pelo empresário.
Procurado, o empresário declarou, por meio de sua consultoria, que já havia prestado informações ao MPT e afirmou que “sempre respeitou seus funcionários”. Ele também disse para considerar o A publicação deste relatório é uma tentativa de “perturbar o bom ambiente” que existe no hospital “para obter vantagens políticas”.
A campanha de Odair foi procurada, mas ele preferiu não se manifestar. O MPT também não se pronunciou sobre o assunto.
Nas gravações, o empresário diz que come “pão que o diabo amassou” com a prefeita Paula Lemos (União), com quem rompeu relações no final do ano passado, e pede uma “aliança gravíssima” com os funcionários para “honra” que sempre fez por eles, referindo-se aos planos de saúde.
Evocando linguagem religiosa, e afirmando que é preciso continuar a enfrentar o que considera “abutres que usam remédios para se alimentar”, continua: “Não há instituição que faça o que eu faço por vocês. Gasto 2 milhões de reais para dar saúde à sua família, a todos vocês. Se eu perder as eleições, não terei como continuar com o plano de saúde que lhe dou.”
Na gravação, Prata também mostra proximidade com o Executivo. Sem detalhes, ele afirma “ter nas mãos” o apoio do governo Tarcísio de Freitas, apoiador de Odair, e do governo Lula (PT). Ele então chama Alexandre Padilha, ministro responsável pela articulação política da gestão petista, que dá nome ao Centro Ambulatorial de Intercorrências do hospital, de ‘irmão’.
Médico e ex-ministro da Saúde, Padilha visitou o local em 2018, segundo publicação feita na época no seu perfil do Facebook. Outra ala da instituição, referência em tratamento oncológico no Brasil, homenageia Lula, que esteve na cidade durante a inauguração do hospital, há uma década. Na ocasião, Prata afirmou que a homenagem a Lula se deveu à ajuda que o petista prestou ao posto médico nos dois primeiros mandatos.
A pressão sobre os funcionários da Fundação Pio XII (entidade liderada por Prata que mantém o Hospital de Amor) decorre de uma briga pública entre o empresário e o atual prefeito de Barretos. O caso foi parar na Justiça e envolve a manutenção de contratos milionários que tratam do controle de unidades de saúde do município.
O impasse começou em 2013, em meio a uma crise financeira que deixou a Santa Casa de Misericórdia de Barretos à beira do fechamento. O encerramento das atividades, devido a um prejuízo de 60 milhões de reaisera uma das alternativas na época, mas o Ministério Público recomendou a intervenção da prefeitura na unidade.
A solução encontrada pela comissão de intervenção foi contratar a empresa de Prata em 2016 para gerir os serviços do centro médico, inicialmente de forma gratuita —a fundação funcionava como uma espécie de credora da Santa Casa e fazia contribuições milionárias à instituição.
O sucesso da parceria levou a administração municipal a ampliar o controle da organização, incluindo os centros de saúde.
Com a série de alterações, o contrato com a Fundação Pio XII só seria válido até dezembro passado. A fundação tentou prorrogar o acordo por mais seis meses, venceu a nova disputa para manter a gestão das unidades, mas foi surpreendida por um ato administrativo que anulou o resultado do processo, em maio deste ano.
A equipe jurídica de Prata argumenta que a decisão foi puramente política. O empresário, que fez campanha por Paula Lemos nas eleições de 2020, rompeu com o prefeito em meio às negociações de um novo contrato e patrocinou a candidatura do emedebista Mussa Calil na disputa deste ano, o que teria motivado a represália. Calil, que não teve bom desempenho nas pesquisas internas, candidatou-se a vice-prefeito na chapa de Odair meses depois.
Na versão da prefeitura, o ato administrativo atendeu determinação do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. O órgão teria alertado o município sobre o alto índice de terceirização de serviços de saúde na cidade, o que violaria pelo menos cinco dispositivos da Constituição – em 2022, por exemplo, o patamar era de 64%, mais da metade dos gastos da região .
Os advogados do pecuarista foram ao Tribunal de Justiça e conseguiram liminar que suspendeu a greve do prefeito. Na decisão, assinada no final de junho, o juiz Luiz Fernando Oliveira criticou a suspensão do concurso, disse que o ato administrativo era “ilegal” e afirmou que a decisão da gestão municipal pode prejudicar os cidadãos usuários das UBSs.
A prefeitura tenta reverter o entendimento do magistrado com recursos.
Quem é Henrique Prata
Prata ganhou fama por tornar o antigo Hospital do Câncer referência nacional por ser o primeiro a usar inteligência artificial em exames de câncer e oferecer imunoterapia para pacientes do SUS.
O empresário é conhecido por suas agressivas estratégias de marketing e captação de recursos para o hospital, que conta com centro de pesquisas e cursos de residência médica e pós-graduação. Além de Bolsonaro, ele cultiva a amizade de duplas sertanejas, que fizeram de Barretos sede do partido pedestre mais tradicional do país.
Em troca de apoio financeiro, cantores como Victor e Leo e Zezé Di Camargo e Luciano dão nomes aos pavilhões do centro médico.
Prata também gosta de exibir sua veia “quatrocento”. Em livro, ele conta que se tornou pecuarista por causa do contato com o avô materno, Antenor Duarte Villela, grande proprietário rural da região. Seu pai, o médico Paulo Prata, criou o hospital na década de 1960, o primeiro especializado em câncer no interior de São Paulo.
Seu avô paterno foi o escritor e médico sergipano Ranulpho Prata, amigo, no início do século XX, de Lima Barreto, autor de Triste Fim de Policarpo Quaresma. Além de trocar correspondência com o colega, Ranulpho ainda tratou da doença de Barreto no interior de São Paulo.
Uma pesquisa publicada em 2020 por De olho nos ruralistas mostrou que Henrique Prata está entre os maiores devastadores da Amazônia. Em nome de sua ex-mulher, Iraídes Conrado Pereira de Morais, a fazenda do pecuarista Marinata, em Chupinguaia, no sul de Rondônia, recebeu mais de 11,9 milhões de reais em multas por destruição de flora em 2008.
Assim como o empresário, Iraídes Morais é descendente de família de proprietários rurais. Os dois estavam passando por um suposto processo de separação naquele ano. Em novembro, oEla conseguiu a reintegração de posse do imóvel no Tribunal de Justiça de Rondônia, em processo contra o ex-marido.
Segundo ela, Prata tomou posse da fazenda em 2006, em parceria com funcionários de outra propriedade do casal. Ou seja: De acordo com essa cronologia apresentada no processo, o pecuarista estava em posse da fazenda quando foram cometidas as infrações ambientais de junho e agosto de 2008.
Como o imóvel foi doado com cláusula de incomunicabilidade, ele não teve direito à partilha do imóvel no processo de separação. As quatro multas não foram pagas, segundo o Ibama, e estão em fase de recurso administrativo.
Na época, Prata afirmou que sempre respeitou a legislação ambiental, que sempre cumpriu as obrigações previstas na lei e que não é proprietário da área mencionada no relatório.